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Volta à Sinagoga

Como lidamos com o medo? Esta questão, que há pouco mais de um ano seria um exercício teórico, hoje já pode ser respondida com base em nossas experiências de um ano de pandemia. Há pessoas que, diante do medo congelam, ficam sem ação. Há aqueles que negam a realidade e fogem para um mundo paralelo onde o risco é inexistente. Há os que reagem racionalmente, tomam suas medidas de proteção e seguem com tranquilidade – já fizeram o necessário. Mas há quem entre em pânico e tome todo tipo de decisão irracional e extrema.


Voltar à escravidão, ao local de opressão, porém conhecido, é uma atitude extrema. E foi exatamente o que fizeram os bnei Israel diante da ausência prolongada de Moisés. Sem o líder em quem eles confiavam, mas que já haviam questionado em outros momentos de receio – “foi para morrer de sede que nos tirou do Egito?” “no Egito tínhamos carne, tínhamos comida todos os dias”. Agora, sem nem ter Moshé para reclamar, desamparados, correm para Aharon e pedem para voltar ao conhecido: façamos um deus para adorar. Assim, sem questionar o povo, sem defender Moshé ou Deus, Aharon o sacerdote, ajuda o povo consumar seu maior erro.


Lembro-me de quando eu e meu irmão éramos pequenos e um dia, após uma bronca, meu irmão, então com uns 5 anos, pegou uma mochila, o pote de Toddy (em pó!) e o ursinho dele. Colocou a mochila nas costas e saiu de casa. Minha mãe foi pegar o moleque a um quarteirão de casa! Ele estava tentando ir para a casa da nossa avó, onde ele entendia que encontraria conforto. Atitude extrema em busca do conforto conhecido. Como os israelitas, meu irmão ficou de castigo – óbvio!


No entanto, há uma semana, lemos acerca da construção do mishkán. Como os bnei Israel fariam doações de seus corações, empregariam suas habilidades pessoais, e construiriam o local onde Deus estaria com eles. Como aquele povo, que construiria o mishkán, poderia ser o mesmo povo que produziu um bezerro? Uma estrutura dedicada a Deus, o Tabernáculo também aborda a inquietação dos israelitas. Este tabernáculo portátil forneceu o foco para a conexão dos israelitas com Deus, conforme descrito. Deus não se limita a nenhum espaço, porém, naquela estrutura poderia fornecer ao espírito dos Israelitas o conforto do conhecido: a materialidade da relação com o divino.


Estamos hoje em um momento de perigo, colocados novamente diante da incerteza, da dor, do medo. “Em tempos de incerteza, podemos reagir como no episódio do Bezerro de Ouro, tentando replicar o passado, ou como a construção do Mishkan, reunindo os talentos e recursos de outras pessoas para encontrar uma solução para o bem comum. A ansiedade comum é alta hoje em dia, e é tentador buscar consolo no que já conhecemos e fizemos antes. Soluções transformadoras, no entanto, exigem que avancemos para a estabilidade e o aprimoramento de todos. Com medo, o que escolheremos construir?” provoca a rabina Mary Zamore.


Hoje, aqui na ARI decidimos voltar para casa, de vez ou temporariamente, para que possamos construir um Mishkan como resposta aos novos e velhos desafios, levando-nos adiante, conectando-nos a Deus e uns aos outros.




Eu quero uma casa no campo

Onde eu possa ficar no tamanho da paz

E tenha somente a certeza

Dos limites do corpo e nada mais


Eu quero uma casa no campo

Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé

Onde eu possa plantar meus amigos

Meus discos e livros e nada mais


A busca por este lugar de conforto é uma constante em nossa vida. Buscamos uma casa, seja onde for.


Casa é o seu lugar, é seu lar. Um verdadeiro lar precisa ter história, identidade e promover o relacionamento entre suas pessoas. Deve ser identitário, relacional e histórico. Há uma ligação emocional e profunda que estabelecemos com certos lugares, que fazem destes nossas casas, nossos lares. A sinagoga, o local que utilizamos regularmente para nossa conexão espiritual, tem esta mágica.


Conta um Midrash, uma história do Talmud, que uma vez Rabbi Yossi estava caminhando e entrou em uma das ruínas de Jerusalém para rezar. O Profeta Eliahu se aproxima, espera na entrada das ruínas o final da prece, e foi falar com Rabi Yossi:

- "Shalom Aleicha, rabi! A paz esteja com você, meu mestre."

-"Shalom Aleicha, rabi veMorei - A paz esteja com você, meu mestre e professor." Responde Rabi Yossi.

Então Eliahu perguntou:

- "Meu filho, por que você entrou nesta ruína?"

- "Para rezar." Rabbi Yossi responde.

- "Você deveria ter rezado na estrada." Repreende Eliahu[1]


“A advertência de não entrar em ruínas, mas sim de permanecer na estrada, parece significar aqui que não devemos viver no passado, desconectados do resto da humanidade, procurando apenas a conexão com Deus. Pelo contrário, devemos permanecer no presente e entre nossos semelhantes" explica a Maharat Laura Shaw Frank


Atualmente, estar conectado com o outro e com o presente significa estar online. A pandemia nos enquadrou e nos prendeu em nossas moradas, nossos lares pessoais, mas nos desconectou de nossos outros lares: escola, escritório, clube, e principalmente, de nosso templo, de nossa sinagoga.


No entanto, há uma conexão emocional que precisa ser restabelecida: aquela que nos une visualmente a um tempo de alegria, de congregar, de estar junto. Se nosso templo é onde carregamos nossa espiritualidade, nossa moral judaica, mantemos nossa tradição, e desenvolvemos novos costumes de acordo com a realidade que vivemos, lar é aquele lugar que carrega nossa história.


Aqui, onde estamos hoje, nos conectamos com esta história, e levamos este sabor familiar para a casa de cada um de nossos congregantes.

[1] Berakhot 3a

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