A parashá Vaigash fala da revelação de Iossef a seus irmãos, da ida dos bnei Israel a Mitsraim, do reencontro de Iaacov com Iossef, dos dias de fome e empobrecimento da população versus o enriquecimento do faraó através do sistema administrativo orquestrado por Iossef. Fala dos bnei Israel sendo assentados nas terras de Goshem, onde agora serão pastores livres, mas onde serão escravizados, e de onde partirão de volta a Canaã no futuro.
Vaigash fala de conciliação, de reconhecimento de erros e reparação, fala de perdão. Começamos a leitura com Judá implorando para que Benjamin não seja preso pelo suposto roubo de um item de prata de Iossef. Judá explica que não pode voltar para casa sem o filho da velhice de seu pai, o único que sobrou de sua esposa amada. Diante desta declaração Iossef não aguenta mais e chora.
De acordo com a acadêmica Marjorie Ingall, um bom pedido de desculpas deve reconhecer o erro, suas consequências, indicar a reparação e a intenção de não repetir o erro. Apesar de Judá e os outros irmãos de Iossef não pedirem desculpas formalmente, eles mostram com suas ações, sem saber que estão falando com o irmão, como eles reconhecem seu erro, entendem suas consequências, se arrependem e não têm a intenção de repeti-lo. Ao perceber a mudança em seus irmãos, Iossef se entrega à catarse através de um choro intenso, que é ouvido por todo o palácio.
A catarse é a “purificação, libertação ou purgação. Utilizada no sentido da libertação do corpo ou da alma de algo danoso, que perturba ou corrompe”, como explica o filósofo Dr Matheus Maia Shmaelter, e assim, Iossef se livra da dor que carregava dentro de si durante todos estes anos de afastamento de sua família.
Ao longo da narrativa de Gênesis Iossef chora um total de oito vezes: primeiro, quando seus irmãos aparecem diante dele no Egito (42:24), depois quando Iossef vê Benjamin (43:30). Quando Iossef se revela a seus irmãos (45: 2) e, novamente, depois de se revelar a seus irmãos (45:14-15). Quando Iossef vê seu pai novamente, ele chora por “um bom tempo” (46:29). Após a morte de Iaacov, há um choro triplo, primeiro após sua morte (50: 1), então todo o Egito se junta a Iossef em lamentações (50: 3), e finalmente Iossef chora novamente quando fica claro que, com a morte do pai, os irmãos suspeitam que ele se vingará deles (50: 15-17). A rabina Erin Polanski chama atenção para o fato de que Iossef não chora por medo, raiva ou incerteza. Em situações de stress ele se mantem calmo e focado. No entanto, ele se entrega ao choro em momentos de grande significado pessoal, momentos que falam a sua alma e a seu coração.
Fomos ensinados que o choro demonstra fraqueza e nos envergonhamos de chorar em diversas situações. No entanto, chorar cultiva o bom funcionamento do organismo; é importante chorar na medida de nossas sensações de alegria ou sofrimento por algum tipo de situação. Crianças demonstram suas emoções através do choro mas, infelizmente, quando viramos adultos, choramos cada vez menos, porque desenvolvemos dificuldades de mostrar nossas emoções, principalmente em público.
Iossef não tem vergonha de chorar. Ele nos mostra que através das lágrimas podemos nos sentir mais presentes e mais fortes, ligados aos nossos mais profundos sentimentos. Seria maravilhoso que mulheres e homens aceitassem as lágrimas com compreensão e sem vergonha. As lágrimas são uma poderosa pontuação afetiva e têm o poder, como vemos nas histórias de Iossef, de perdoar e reunir.
Um mundo em que sentimentos podem ser trabalhados, aceitos, expressados, pode ser um mundo de mais compreensão do outro, e portanto, um mundo de mais paz. Talvez, hoje, nos falte a liberdade para rir, chorar, ou ainda, de chorar de rir sem preconceitos ou julgamentos.
Que possamos nos entregar a emoções profundas.
Shabat Shalom!
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