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Foto do escritorAndrea Kulikovsky

Vaietsê - Bereshit 28:10 – 32:3

Em Vaietsê Iaacov foge da casa de seu pai, e no caminho tem um sonho no qual os anjos sobem e descem por uma escada que conecta a terra ao céu. Deus aparece diante de Iaacov e renova a aliança feita com Avraham. Iaacov vê Rachel, filha de Lavan, cuidando de ovelhas e deseja se casar com ela. Lavan engana Iaacov para que se case com sua filha mais velha, Lea, após sete anos de trabalho pelo direito de se casar com Rachel. Em troca de mais sete anos de trabalho, Jacob finalmente se casa com Rachel. Jacó tem muitos filhos com Lea, e com as servas de suas esposas, Zilpá e Bilá, mas Rachel não consegue ter filhos. Finalmente, Deus se lembra de Rachel, e ela tem um filho, a quem chama de Iossef.


Dois aspectos me chamam muita atenção nesta parashá. O primeiro é a relação das mulheres entre si e com Iaacov. A luta entre duas irmãs pelo amor do mesmo homem, as inúmeras tentativas de ganhar seu afeto tendo cada vez mais filhos, o ciúme e a dor visíveis que cada uma delas experimenta e, por consequência, a adição de mais duas mulheres nesta relação conturbada. Iaacov, de certa forma, parece um instrumento no meio destas emoções, cumpre seu “papel de marido” das quatro, e responde a Rachel “Acaso posso tomar o lugar de Deus? (הֲתַ֤חַת אֱלֹהִים֙ אָנֹ֔כִי “hatachat elohim anokhi“)”.


“Uma profunda frustração está por trás do relacionamento entre Iaacov e suas duas esposas: Lea ama Iaacov e nomeia seus filhos como um registro de sua mudança de relação com o marido; Iaacov ama Rachel, e o principal desejo de Rachel são filhos. Essencialmente, todos os protagonistas mais desejam o que não podem ter.”[i] E então, Lea e Rachel adicionam Bilá e Zilpá, que não têm voz nem querer, mas ainda assim, são mães de descendentes de Iaacov, que geram algumas das 12 tribos. O relacionamento de Iaacov com suas esposas parece o poema de Carlos Drumond de Andrade: “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.”[ii]


O segundo aspecto é a relação destas mulheres com seus filhos, e como estes são nomeados. Os filhos de Bilá e Zilpá são nomeados por Lea e Rachel. Lutando com a dor, a raiva e a decepção da rejeição, sozinha em face do desinteresse de seu marido, Lea é aquela com esperanças. Nas profundezas de suas pupilas nebulosas, pode-se ver o anseio por uma paixão que ela nunca conhecerá. Cada um de seus filhos, um após o outro, personifica mais uma tentativa desesperada de conquistar o amor de seu marido. Cada um é, portanto, amado não por si mesmo - não por ser um lindo bebê. Em vez disso, seus filhos representam a esperança adiada e a aspiração transferida. E uma filha, Dina, cujo nome só é informado, por conta da violência que vai sofrer na próxima parashá.


Nossos próprios relacionamentos com nossos irmãos, pais, filhos e amigos também são combinações de carinho, competição, ciúme e preocupação. A relação entre as quatro mulheres de Iaacov mostra como era frágil o lugar da mulher naquele momento histórico. Pensando nesta fragilidade, e buscando uma espécie de reconhecimento e reparação, algumas comunidades incluem Bilá e Zilpá entre as matriarcas na recitação da amidá.


Por outro lado, a energia e expectativa que nossas matriarcas, Lea e Rachel colocam em seus filhos no momento de nomeá-los, demonstra um aspecto bastante humano: nós refletimos nossos sonhos e nossos problemas em nossos filhos, e assim colocamos um peso extra para que eles carreguem em suas vidas.


A vida - e especialmente o amor - entre os seres humanos nunca é fácil. Embora a história da parashá seja complicada pelo fato de que duas irmãs compartilham o mesmo marido, o que hoje, em nosso mundo, já não acontece mais, às vezes nós exigimos a simpatia devotada de nossos parceiros às nossas dores, e quando eles não podem nos ajudar, pode ser profundamente doloroso e pode afetar o equilíbrio de toda a família. Gênesis nos permite perceber que as famílias têm lidado com diversos problemas por milhares de anos. Talvez, de alguma forma, possamos melhorar nossa vida familiar vendo as lutas de nossos ancestrais e tentando aprender com eles.


Elohei Sarah, Elohei Rivka, Elohei Leah, Elohei Rachel, Elohei Bilá veElohei Zilpá, que nossas matriarcas possam nos inspirar. Que Lea nos ensine a enxergar as bênçãos que recebemos. Que Rachel nos permita entender o que é ser amada. Que Bilá e Zilpá nos inspirem a sermos quem somos, para que possamos ser enxergados, amados e abençoados. Que possamos ser felizes com o que somos, reconhecendo o amor que recebemos em nosso caminho.


Shabat Shalom


[i] Dra. Avivah Gottlieb Zornberg [ii] Quadrilha – Carlos Drumond de Andrade

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