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Vaicrá

Entramos no livro de Levíticos, em hebraico Vaicrá, cujo objetivo é moldar os israelitas como um povo divino, através de leis acerca da relação do homem com Deus, dos humanos entre si, e de cada um com seu corpo. Em Vaicrá o corpo da pessoa, o santuário e a comunidade, cada um de sua forma, constitui um microcosmo do universo em seu aspecto sagrado. Deus criou um mundo harmonioso, bom e ordenado, e quem quebra esta harmonia deve repara-la.


A parashá Vaicrá é um desafio para o leitor atual. É uma leitura sangrenta sobre como se aproximar de Deus através de sacrifícios animais, de alimentos e valores. Uma visão antropológica da forma como a execução dos sacrifícios é explicada – do exterior para o interior do animal – em relação ao caminho que uma pessoa fazia ao entrar no Tabernáculo, onde quanto mais você se aproximava do interior, mais sagrado o local ficava, nos traz a ideia da localização do sagrado no lugar mais profundo de cada um.


Adicionalmente, alguns dos sacrifícios oferecidos eram depois ingeridos por Cohanim e pelas pessoas (como um churrasco comunitário). O alimento oferecido a Deus era o alimento ingerido pelo humano. Um paralelo entre o corpo humano e o Tabernáculo, ambos receptores das oferendas. Cada um de nós é um santuário.


Então, durante esta semana, no mês da mulher, em que tanto lemos e falamos sobre igualdade e valorização, roda nas redes sociais um vídeo sobre tsniut (recato) que me incomodou muito. Cada local tem suas regras, hábitos e costumes, cabe a cada um escolher seu local de reza e encontro com Deus que mais se aproxime de seu modo de ser e pensar. Mas no momento em que se afirma “tem que ter respeito”, “sinagoga não é lugar de mostrar”, “não é lugar de decote”, “a manga tem que ser mais longa”, “vamos respeitar?” não estamos falando mais desta ou daquela congregação, mas generalizando e tornando o corpo da mulher uma imagem desrespeitosa.


Mas será que é a pele que eu mostro que indica meu respeito para o local e a santidade do momento, ou o que eu faço todos os dias com o meu corpo, o outro ser humano e o mundo? É realmente o meu decote que indica o respeito que tenho pelo serviço religioso ou meu engajamento com a tfilá, minha seriedade e compromisso com o que está sendo dito e feito naquele local? Adianta eu ir de burca para a sinagoga e ficar conversando com a pessoa ao meu lado? A santidade do homem está nos peiot que ele deixa crescer e no horário da tfilá matinal ou na maneira como ele enxerga e trata a mulher?


Eu acredito que o Divino está na maneira como as pessoas se relacionam com elas mesmas, entre si, e com o mundo ao redor. Eu acredito que fui criada à imagem de Deus com o compromisso de continuar o trabalho Divino no mundo. Esta responsabilidade é um trabalho árduo, contínuo, diário; eu erro todo dia, todo dia devo reparar e aprender com estes erros. O corpo da mulher é imagem divina e pode ser visto como for: grávida ou não; magra ou gorda; malhada ou flácida; com a cor de pele que tiver.


O corpo humano, criado “betselem Elohim” - à imagem de Deus - é um santuário. É do humano que vem o “tikun olam” - a reparação do mundo para a harmonia. É responsabilidade de mulheres e homens se tornarem pessoas melhores a cada dia, e quanto mais profunda for a busca e transformação pelo melhor individual, mais perto do sagrado e do puro estaremos.


Fotos: nudeyogagirl e Haaretz

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