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Vaetchanan - Devarim 3:23-7:11

Vaetchanan é uma parashá com um texto grande, que compreende partes importantíssimas da base do judaísmo, como os 10 mandamentos, ligeiramente alterados em suas palavras, e a primeira parte do Shemá Israel. A parashá inicia com uma última súplica de Moshé para que ele possa entrar na Terra Prometida, conhecer a fartura do local para onde ele passou tanto tempo almejando chegar.


No entanto, foi um outro trecho do texto que gritou ao meu olhar esta semana: “Mas tomem o maior cuidado e vigiem-se escrupulosamente, para que não se esqueçam das coisas que viram com os seus próprios olhos e para que não desapareçam da sua mente enquanto viverem. E torná-los conhecidos para seus filhos e para os filhos de seus filhos.”[i]


Dois aspectos me chamam atenção neste texto: a primeira é falar para a geração que não esteve no Sinai como se eles mesmos tivessem estado lá no momento da Revelação; a segunda é o mandamento de ensinar filhos e filhos de filhos, memória e educação são centrais para a existência judaica.


“Embora Moshe avise o povo para não esquecer nenhum aspecto da revelação no Sinai, ele certamente deve ter percebido que seria impossível para o povo se lembrar de tudo. E mesmo que conseguissem se lembrar de tudo, com certeza seus filhos começariam a esquecer, ou talvez os filhos de seus filhos.” Reflete a acadêmica Ilana Kurshan.


A história judaica é feita de diversos momentos de opressão. De nossa história mais recente, fomos expulsos da Espanha e Portugal, passamos pela Shoá. Tomem cuidado para que as coisas que viram com seus próprios olhos não desapareçam de suas mentes. Falhamos no recontar nossa história na Península Ibérica. Não revivemos aqueles momentos, não transmitimos com dor para nossos filhos e gerações adiante. Hoje, estamos diante de um momento crucial de nossa história: os últimos sobreviventes da Shoá estão nos deixando. Precisamos fazer mais do que registrar estes horrores, precisamos ouvir, aprender a repetir esta história, para recontarmos como se tivéssemos nós mesmos vivido aqueles impensáveis horrores. É nossa responsabilidade não deixar que nossos filhos, e que os filhos de nossos filhos se esqueçam das histórias recentes de nosso povo.


As primeiras Tábuas da lei foram quebradas, e conta o midrash que Moshe “começou a se sentir mal por ter quebrado as Tábuas, então Deus disse a ele: Não se sinta mal com as primeiras Tábuas, pois elas continham apenas os dez mandamentos, porém as segundas Tábuas, que eu darei a você, terão Halcaha Midrash e Agadá”[ii] As segundas não foram escritas por Deus, de acordo com o relato, mas pelo próprio Moshé, que na parashá que lemos esta semana os repete, já com alterações. Cada vez que relemos, repetimos, reestudamos, entendemos algo novo, uma nova palavra, uma nova interpretação nos aparece do texto. Então, encontramos novas leis – halachá; novas histórias – midrash e agadá. Não basta a história registrada, filmes, livros, fotos, são somente letras em pedra, e podem ser quebradas. Precisamos aprender que é preciso repetir, recontar, reviver.


Está ainda na nossa parashá: “Quando, no futuro, seus filhos lhe perguntarem: "O que significam os decretos, leis e regras que o Senhor nosso Deus ordenou a vocês?", Você dirá a seus filhos: "Fomos escravos do Faraó no Egito e no O Senhor nos libertou do Egito com uma mão poderosa.”[iii] Esta frase repetimos em Pessach, todo ano. Mas será que nós nos lembramos de contar sobre todas as nossas outras opressões e travessias? Será que realmente aprendemos que é necessário reviver a história e recontar para manter a memória viva?


Mas se nos mantivermos a recontar todas as nossas histórias de opressão, contaremos uma história de um povo que é vítima, e esta não é a nossa história. Nossa história é como conta a piada: “tentaram nos destruir, mas fomos salvos, vamos comer!” essa é, de certa forma, a mensagem da nossa haftará: “Nachamu, Nachamu, Ami!” Consolem-se, Consolem-se meu povo!


Talvez Moshé só tenha visto a opressão e a travessia, mas nós somos os descendentes de Josué, que lutou e conquistou a terra, que a viu florescer. Somos descendentes dos reis de Israel, que desenvolveram um povo forte que construiu um país. Somos descendentes daqueles que voltaram da Babilônia e reconstruíram aquele país.


“Uma voz ressoa: “Abram no deserto Uma estrada para o SENHOR! Nivelem no deserto uma estrada para o nosso Deus! Ó arauto da alegria para Sião; Levante sua voz com poder, ó arauto da alegria para Jerusalém - Levante-a, não tenha medo; Anuncie às cidades de Judá: Eis o seu Deus!”[iv] é o texto de Isaías para esta semana.


Novamente, reconstruímos nossa Terra Prometida. Israel está lá, Jerusalém brilha com a vida judaica que novamente está presente em suas vielas. Podemos novamente contar uma história de esperança, de vitória.


No entanto, como tantas vezes Moshé repete e avisa em Devarim, ao entrar e conquistar a terra, nosso povo se perverteu, esqueceu os ensinamentos, se entregou a novos deuses, se corrompeu. Novamente e novamente após cada conquista, repetimos os nossos erros. O que me leva a refletir sobre nossa terra hoje, nas posturas do governo de Israel, e dos indivíduos que constroem todos os dias a pátria judaica. Nas palavras do meu querido amigo, Rodrigo Baumworcel: “eu acredito que existe uma relação direta entre a postura do Estado de Israel frente as minorias existentes nessa Terra e a política internacional. Nós, que fomos estrangeiros no Egito, devemos respeitar os estrangeiros. Nós, que segundo a narrativa bíblica, ouvimos diretamente de Deus que nos é obrigatório respeitar o próximo, devemos aspirar ser o povo mais ético sobre essa terra.”[v]


Tantas vezes fomos oprimidos, tantas vezes fomos salvos, tantas vezes fizemos a travessia e estivemos no lugar onde estamos agora na leitura da Torá, prestes a entrar na Terra Prometida, olhando com esperança a vida que vamos construir. Que possamos então aprender a reviver nossas histórias, recontar nossas histórias, sentir cada um dos momentos da longa narrativa de nossos antepassados, e realmente retirar halachá, midrash e agadá destas narrativas. É preciso aprender com os erros passados, para que possamos acertar em nossa vida presente, e assim construir um futuro de orgulho e alegria.


Shabat Shalom


PS: Sobre a imagem, a escolha foi feita com base na música que a querida amiga e chazanit da ARI Inés Kapustiansky escolheu para finalizar o serviço, inspirada na minha drashá. A música ilustra o texto...

[i] Devarim 4:9 [ii] Exodus Rabba 46:1 [iii] Devarim 6:20-21 [iv] Isaías 40:3 e 40:9-10 [v] https://www.facebook.com/arzenubr

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