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Uma força além

Esta semana, Barbara Singleton e Beth Craig, fizeram história como a primeira dupla mãe-filha a correr a maratona de Boston como uma equipe com uma cadeira de rodas. Beth correu 42,195km em 7 horas, 14 minutos e 46 segundos, enquanto ela empurrava sua mãe, que sofre de esclerose múltipla, em uma cadeira de três rodas especialmente projetada para a corrida. Barbara vive com esclerose múltipla há quase 40 anos e anda de cadeira de rodas. Ela e a filha correm juntas há sete anos. A parceria e comprometimento de mãe e filha são essenciais para que elas completem a tarefa, a cada corrida. O elo indissolúvel entre as duas, é o que gera a força interna necessária para que Beth supere o desafio.


Esta força interna que propulsiona Beth a fazer o que nos parece quase impossível, de outras maneiras, é encontrada em nossa matriarca Sara, na parashá que lemos esta semana. A história desta força começa, em realidade, com uma frase ao final da parashá Noach: “E Sarai era estéril; ela não tinha descendentes”[i]. A frase introduz a maior dor de Sara, uma mulher de um tempo em que o valor feminino estava em sua capacidade de gerar descendência a seu marido. Uma mulher que queria e precisava ter filhos, que buscava a maternidade com uma determinação inimaginável para sua época.


Sabemos que um casal que opta ter um bebê deseja a notícia da gravidez o mais rápido possível. No entanto, estimativas apontam que mesmo sendo saudáveis, a chance de um casal engravidar é em torno de 20%. Estatísticas da OMS mostram que 50 a 80 milhões de pessoas em todo o mundo podem ser inférteis. No Brasil, esse número chega a cerca de 8 milhões. As causas da infertilidade são diversas e, diferente do que encontramos no texto bíblico, podem ser femininas, masculinas ou devido à associação de dificuldades dos dois componentes do casal.[ii] Hoje, apesar de todo o peso emocional envolvido no processo, a maior parte dos casos de infertilidade é perfeitamente tratável, tornando o sonho da maternidade ou paternidade mais possível. No texto bíblico, o final da infertilidade é associado à interferência divina, Deus “se lembra” da mulher, e ela engravida.


É necessário entender que, no tempo da narrativa bíblica, o valor da mulher estava em sua capacidade de reproduzir, de dar filhos ao seu marido. Infelizmente, a questão não ficou no passado, como conta a médica Aviva P. Aiden “Sem cuidados de saúde universais, serviços sociais adequados e seguro financeiro como a Segurança Social, muitas mulheres africanas, hoje, dependem dos filhos para as sustentar na velhice. Mulheres estéreis frequentemente veem seus maridos trocando-as por outras esposas, são excluídas das heranças familiares e, em casos extremos, podem até ser levadas ao suicídio.”[iii]


A força e determinação de Sara é demonstrada justamente quando ela se depara com a realização dolorida de sua incapacidade de gerar filhos, diante da necessidade de Avraham de ter uma descendência para ser uma grande nação[iv]. Sara, depois de anos de esterilidade, está tão desesperada por um filho que busca uma solução alternativa, e oferece sua serva ao marido, efetivamente introduzindo uma competidora em seu meio, a fim de que "talvez eu tenha um filho através dela"[v]. Com esta decisão, Sara coloca o objetivo acima de seu sentimento, e desenvolve uma maneira completamente diferente de conceber, que hoje chamaríamos de barriga de aluguel.


Minha avó, de abençoada memória, não gostava de Sara. Dizia que seu ato de expulsão de Ishmael, que leremos na próxima semana, foi o propulsor para a falta de paz para o oriente médio até hoje. Quanta responsabilidade para uma matriarca! No entanto, ao lermos toda sua história, entendemos que Sara era uma mulher machucada e diminuída, por se entender em uma condição para a qual não tinha solução. Percebemos, então, que devemos ler a história de Sarah como uma mulher que queria ser mãe e parceira no destino de sua comunidade, cujo papel não é acessório, mas central para a concretização do pacto de Deus com Avraham, e seu reconhecimento vem através da sua inclusão no pacto. Apesar de Deus não se dirigir a Sara diretamente, Deus se refere a ela mudando seu nome, “ela se tornará em nações e dela virão governantes de povos.”[vi].


Hoje, apesar da dor que o texto bíblico pode causar para algumas pessoas em sua leitura, sabemos que a infertilidade não vem e não cessa por intervenção Divina, mas há diversos meios para chegarmos à maternidade e paternidade, mas para isto, ainda é preciso força. Encarar os desafios que a vida nos traz de frente, com força, coragem, determinação e um pouco de criatividade é o que nos ensinam Beth e Sara.


Que possamos nos inspirar nestas mulheres para, ao encontrarmos momentos de dor e dificuldade que parecem insuperáveis, pararmos, respirarmos fundo e olharmos além. Para buscarmos a nossa força interior, aquela que nem mesmo nós sabemos possuir, e assim, podermos ser parte do pacto, cruzar a linha de chegada, ir além, e sorrir.


Shabat shalom.



[i] Bereshit 11:30 [ii] Dados da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida: https://sbra.com.br/ [iii] https://www.myjewishlearning.com/article/lament-of-a-barren-woman/ [iv] Bereshit 12:2 [v] Bereshit 16:2 [vi] Genesis 17:16

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