Uma drashá em dois capítulos, é como posso chamar estes estudos de shacharit de Shabat que tanto gosto. Mas hoje, gostaria de fazer um pouquinho diferente, já que antes, desde a sinagoga, já falei genericamente da trama da parashá, da trama da haftará, e de algumas mensagens importantes que os textos nos trazem. Gostaria de propor um aprofundamento em dois conceitos que me chamaram atenção no estudo desta semana.
O primeiro, diz respeito à sabedoria e seu uso. Ao interpretar o sonho do Faraó, Iaacov dá uma saída à questão que incomodava a alma do governante: como lidar com o problema dos anos de seca que viriam a seguir. Ele diz que o Faraó deve apontar alguém alguém “navon ve-hakham”, perspicaz e sábio, que armazenará alimentos suficientes para garantir a sobrevivência da população. Por que Iossef usou duas palavras sinônimas, discernimento e sabedoria para descrever que tipo de pessoa era necessária? Nossa tradição considera que cada palavra da Torá é necessária e está lá para ensinar uma lição específica. Aqui, nossos sábios interpretam que há dois tipos diferentes de conhecimento. Rabbi Moses ben Nahman, o Ramban (Espanha do século 13), comenta que os dois tipos de conhecimento se aplicam a diferentes esferas de aprendizagem, um o conhecimento, e o outro a capacidade de aplica-lo. Em uma abordagem mais ampla, a primeira categoria se aplica ao aprendizado humano e às estruturas humanas, e a segunda categoria se aplica aos fenômenos e propriedades naturais. Para ser considerado “sábio perspicaz”, é necessário ter formação em ciências humanas e sociais, e também nas ciências naturais. Um ser humano totalmente educado deve saber não apenas sobre nós mesmos e nossas comunidades, mas também sobre o mundo ao nosso redor.
O rabino americano Bradley Shavit Artson, sugere adicionar a estes dois tipos de conhecimento uma terceira categoria, o conhecimento religioso. “Nas palavras do próprio Talmud, se você só tem Torá, então você nem mesmo tem Torá. O conhecimento - tanto judaico quanto geral, tanto sobre a realidade natural e sobre a sociedade e personalidade humanas - é um ingrediente essencial para se tornar totalmente humano, para se tornar perspicaz e sábio.”
Isto poderia significar que, não basta ter conhecimento científico e compreender a natureza humana. É preciso ter moral e aplica-la sobre estes outros dois conhecimentos, para que possamos ser considerados completamente sábios.
Esta conclusão se junta ao segundo aspecto da parashá: a teshuvá, da qual falei ontem à noite, e pincelei hoje mais cedo. “Iossef permite que seus irmãos mais velhos tenham uma nova relação com o passado, criando um conjunto de circunstâncias que lhes dá a oportunidade de responder ao favoritismo de um irmão de maneira diferente. Isso representaria a verdadeira teshuvá (literalmente "retorno"), como descreve o rabino e filósofo espanhol medieval Moses Maimonides: a teshuvá ocorre quando uma pessoa, confrontada com a oportunidade de cometer uma nova transgressão, se abstém de fazê-la - não por medo de ser pego ou falta de força[i].
Também a haftará fala da possibilidade de teshuvá, pois, ao dar a possibilidade de explicação às duas mães, ao dar voz para que cada uma contasse a história de sua maneira, Shlomo estava oferecendo a possibilidade de reconhecimento e reparação do erro à mulher que trocou o bebê, oportunidade que ela não abraçou.
Já na parashá, como aponta a rabina Suzanne Singer, “Iossef e seus irmãos fizeram as pazes com o favoritismo de seu pai. Podemos imaginar que, depois que Iossef os força a confrontar sua culpa, eles percebem que sua resposta violenta anterior ao amor desigual de seu pai não mudou Iaacov. Cientes de que ferir Iaacov ou Benjamin não vai atrair mais atenção a eles, os irmãos alcançam uma paz com as falhas de Iaacov, escolhendo a compaixão em vez da raiva ao lidar com ele.”
O Rabino Abraham Isaac Hacohen Kook, sábio místico, conhecido como Rav Kook, escreve: “A principal razão para não nos arrependermos é que não acreditamos como a teshuvá pode ser fácil. Por um lado, a teshuvá é um mandamento divino tão fácil de executar porque a mera intenção de arrepender-se já é considerada arrependimento. No entanto, por outro lado, é um mandamento extremamente difícil porque o ato de penitência não está completo até que tenha sido executado completamente no mundo exterior e em nossas próprias vidas.”
Se sabedoria é aplicar o conhecimento científico e humano, com um tempero de moral e religiosidade em nossos atos, encarar nossos erros humanos com a sabedoria para corrigi-los pode ser entendido como o ápice desta sabedoria. Somos humanos, constantemente sujeitos a falhas, mesmo que apliquemos todo o nosso saber e nossa sensibilidade em nossas ações. O que fazemos com estas falhas é a chave da sabedoria. Como nos ensina o midrash: “Os portões da oração às vezes estão abertos e às vezes fechados, mas os portões do arrependimento estão sempre abertos.”
Que possamos aplicar nossas habilidades com conhecimento, intenção, sensibilidade e sabedoria em nossos atos, mas que também possamos encarar com humildade nossa humanidade, e quando errarmos, que nos permitamos fazer teshuvá, encarando nossos erros, pedindo desculpas e reparando. Que possamos entender que o caminho do aprendizado, dos erros e acertos, com teshuvá, conhecimento e emoção é a verdadeira sabedoria.
Shabat Shalom.
[i] Mishneh Torah, Hilchot Teshuvah 2.1
Comments