top of page

Um lugar para todos

Conta o Talmud que quando Moshé subiu o monte Sinai, ele encontrou Deus sentado pintando coroas nas letras da Torá. Moshé perguntou: Ribono Shel haOlam, Mestre do Universo, por que você está fazendo isto? Deus disse a ele: Há um homem que está destinado a nascer daqui a várias gerações, Akiva ben Yosef é seu nome; ele está destinado a derivar de cada detalhe destas coroas diversas interpretações e significados. É por causa dele que as coroas devem ser adicionadas às letras da Torá.


Então Moshé pediu: Ribono shel haOlam, mostre-o para mim. Deus disse a ele: olhe para trás atrás. Moshé então se viu em uma sala de aula; foi e sentou-se no fundo da sala de estudos de Rabi Akiva e não entendeu nada do que eles estavam dizendo. Em um dado momento, os alunos perguntam: professor, de onde você concluiu isso? Rabi Akiva disse a eles: Este é um ensinamento transmitido a Moshé no Sinai. Quando Moshé ouviu isso ficou feliz, pois tudo aquilo derivava da Torá que ele deveria receber.


Esta semana lemos a parashá Itró, que traz a Revelação no Monte Sinai, o recebimento dos Asseret haDibrot, 10 mandamentos. A parashá descreve a preparação de três dias, todo o povo reunido, a impressionante mistura de trovão, relâmpago, nuvem pesada e o toque cada vez mais forte de um shofar que balançou a montanha, a montanha em chamas e a Voz de Deus falando os Dez Mandamentos.


Na parashá lemos a instrução de Deus a Moshé: “Vá até o povo e alerte-os para permanecerem puros hoje e amanhã. Deixe-os lavar suas roupas. Que eles estejam prontos para o terceiro dia; porque ao terceiro dia descerá o Adonai, à vista de todo o povo, sobre o monte Sinai.” No entanto, lemos quando Moshé passa a instrução ao povo: “Moshé desceu da montanha e avisou o povo para permanecerem puros, e eles lavaram suas roupas. E ele disse ao povo: “Estejam prontos para o terceiro dia: não cheguem perto de uma mulher”. A alteração do texto feita por Moshé demonstra seu próprio discurso masculino, focado nos homens, não o de Deus. Rashi, comentarista bíblico medieval, considerado até hoje um dos melhores de todos os tempos, explica que “NÃO SE APROXIME DE UMA MULHER durante esses três dias, foi para que as mulheres pudessem mergulhar no terceiro dia e estar puras para receber a Torá.”. Rashi era pai de quatro mulheres, três delas foram ensinadas por ele e, ao menos uma, era considerada sábia em seu tempo. No entanto, muitos estudiosos interpretam esta pequena frase da Torá entendendo que Moshé falou exclusivamente aos homens, e que as mulheres não estavam presentes na Revelação. Esta interpretação serviu durante séculos, e em alguns lugares até hoje serve, como fonte para a exclusão da mulher de ambientes públicos e de reza.


“Toda a história da interpretação de nossos textos sagrados, da Mishná ao midrash feminista moderno, é fortalecida pela audaciosa transformação das palavras de Deus por Moshé” é o que sugere a acadêmica Diane M. Sharon, e também o midrash (a história) que eu contei ao início. É a maneira como lemos e interpretamos o texto bíblico que o torna vivo, relevante, pertencente a cada uma das gerações desde o Sinai até hoje, para além do amanhã.


Nossa parashá sinaliza o que vai acontecer na montanha no período que antecede a epifania do Sinai. Deus diz: “Sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação sagrada”. Significando que, como sociedade, todo o povo irá incorporar e modelar um mundo onde a vida e a justiça são dominantes, onde mãos são eticamente limpas, corações são puros, e atos têm kavaná, intenção. O objetivo é que o mundo inteiro aprenda e construa o modelo no mundo em geral.


Nas palavras do rabino americano Yitz Greenberg: “o Sinai, é o grande momento da revelação e o início da aliança de amor entre Deus e Israel. Na verdade, esses são os dois lados da mesma moeda. Uma vez que entendemos o Sinai como o momento de iniciar uma jornada pactual para realizar tikun olam, a reparação do mundo, então a revelação contínua que fala do Sinai tem um novo significado e considerações realistas. Aplicar a ética ou os princípios orientadores ao longo do caminho, adicionar rituais e reconstituições de eventos antigos e novos, ver um novo significado em fontes tradicionais ou uma maneira melhor de viver por meio de modelos herdados - tudo isso representa literalmente a revelação no Sinai ocorrendo novamente e guiando a realização da aliança. O novo desenvolvimento pode parecer ser uma inovação ou mudança, mas na verdade é manter o pacto do Sinai vivo e cumpri-lo.”


Fevereiro é o Jewish Disability Awareness, Acceptance, and Inclusion Month - Mês Judaico de Conscientização, Aceitação e Inclusão da Deficiência (JDAIM), que é um esforço unificado entre organizações judaicas em todo o mundo para aumentar a conscientização e promover a aceitação e inclusão de pessoas com deficiência e problemas de saúde mental e aqueles que as amam. É um chamado à ação para que todos nós ajamos de acordo com nossos valores judaicos, honrando os dons e forças que cada um de nós possui.


A missão do Mês Judaico de Conscientização, Aceitação e Inclusão da Deficiência é unir as comunidades judaicas em todo o mundo para aumentar a conscientização e defender os direitos de todos os judeus e judias de serem aceitos e incluídos em todos os aspectos da vida judaica como qualquer outra pessoa.


A inclusão deve ser um esforço ativo de cada um. Esta semana, na escola dos meus filhos, houve uma discussão longa no temido grupo de mães do WhatsApp (apesar do nome, no nosso também tem pais – somos inclusivos). O professor de ciências escreveu uma mensagem adereçada aos alunxs, gerando uma conversa extensa sobre a relação das regras gramaticais da língua escrita formal, versus a inclusão ativa de todos, todas, todes ou todxs. A discussão sobre diversidade e inclusão evoluiu para cores, religião e etnias. Infelizmente, não falamos na inclusão da deficiência e da saúde mental, não desta vez.


É preciso adaptar língua e linguagem, como fazemos aqui na ARI com a generosa ajuda da Karina, é preciso adaptar espaços, é preciso se preparar para acolher, saber falar, agir e ouvir a pessoa com necessidades especiais, sejam elas quais forem. Fevereiro é o mês de pensarmos comunitariamente neste assunto, e promovermos mudanças.


Em um mundo fragmentado e que precisa de reparos, estamos fragmentados, sofrendo, necessitando reparos. Mas é justamente esta nossa imperfeição que é necessária para que possamos nos apresentar e gerar estas mudanças. Somos novamente chamados a exercer nossa função de povo sagrado, o povo que foi liberto de Mitsraim, cruzou o mar e chegou aos pés do Sinai, para TODOS JUNTOS presenciarem a revelação. Corpo e alma lavados, puros, vivenciando o chamado divino.


Que possamos fazer de nossa congregação um lugar tão sagrado como os pés do Sinai, onde houve e haverá lugar para todos.


Shabat Shalom.


Nos juntamos em comunidade para o Barechu, na página 16

4 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page