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Sucot e o Tempo

Foto do escritor: Andrea KulikovskyAndrea Kulikovsky

Depois de uma intensa jornada espiritual, de olharmos para dentro e fazermos o balanço de nossas almas, de pedirmos perdão e nos afligirmos, chegamos a esta festa que nos convida mudar a perspectiva: colocar os pés no chão, olhar em volta, reconhecer o fruto do nosso trabalho e a fragilidade do material, olhar para o outro e abrir nossas casas.


Em Sucot, nossos sábios escolheram a leitura da meguilat Kohelet, o livro de Eclesiastes, um dos livros de sabedoria do Tanach. Uma obra filosófica, bastante diferente do restante do corpo canonizado da nossa tradição, atribuído ao rei Salomão em sua velhice, apesar dos indícios históricos e literários não confirmarem esta crença.


De acordo com o acadêmico estadunidense Robert Alter, Kohelet nos convida “a contemplar a natureza cíclica da realidade e da experiência humana, a duração fugaz de tudo o que prezamos, a brevidade da vida e a inexorabilidade da morte, que nivela todas as coisas.”[i]


Neste tempo em que somos comandados a sermos felizes: "Vessamachta bechagecha vehaitá ach sameach - Você deve se alegrar em seu festival – em seu chag - e só será feliz!"[ii] Kohelet parece trazer um tom de falta de esperança desvinculado do que nos manda a Torá. Afinal, “Ein kol chadash tachat ha shemesh - Não há nada de novo embaixo do sol”[iii].


No entanto, Kohelet nos leva a refletir “Que valor real existe para um homem em todos os ganhos que ele faz sob o sol?”[iv] Enquanto celebramos o fruto de nosso trabalho, e agradecemos a colheita, nos damos conta do entorno e da frugalidade de nossos bens materiais. Percebemos o outro em toda a sua fragilidade.


“O sábio, assim como o tolo, não é lembrado para sempre; pois, à medida que os dias seguintes passam, ambos são esquecidos.”[v] Em Sucot lembramos da jornada de nossos antepassados no deserto, a fragilidade de suas cabanas, a entrega à proteção divina durante os 40 anos de peregrinação, e somos chamados à humildade: somos todos iguais.


Mas sucot é o tempo da mudança de estação, entrada de outono no hemisfério Norte, início da primavera aqui no hemisfério sul, momentos de transição, de novas cores. Então, Kohelet nos diz:


“Há uma estação marcada para tudo, um tempo para cada experiência sob o céu:


Um tempo para nascer e um tempo para morrer,

Tempo de plantar e tempo de colher; [...]

Um tempo para abraçar e um tempo para evitar abraços;

Um tempo para buscar e um tempo para perder,[...]

Um tempo para amar e um tempo para odiar;

Tempo de guerra e tempo de paz.”


O poeta israelense Yehuda Amichai traz um outro tom para o texto tradicional de Kohelet:


O homem não tem um tempo para tudo na vida. Ele não tem uma época para cada um de seus desejos. O Eclesiastes não está certo. O homem precisa odiar e amar ao mesmo tempo, [...] fazer amor na guerra e guerra no amor. [...] O homem na vida não tem tempo. Quando ele perde ele procura, quando ele acha ele esquece, quando ele esquece ele ama e quando ele ama começa a esquecer.”


É verdade que a vida não é tão organizada quanto nos traz Kohelet, tudo acontece o tempo todo, sem separação. Mas também é verdade que não somos o que temos, e que a vida pode ser tão efêmera quanto um sopro de respiração, que se dissipa no ar. Então, é preciso reconhecer a bênção daquilo que temos e somos, e aproveitar o aqui e agora. É preciso olhar em volta, para além da nossa própria fragilidade e acolher aqueles que vagam ao nosso entorno sem sequer uma frágil cobertura. Os pés no chão, fincados na realidade são o chamado de Sucot.


Que neste chag possamos olhar com naturalidade todas as estações de nossas vidas. Que possamos entender que não somos o que possuímos, o nosso melhor é o que realmente somos, o restante é efêmero. Que mudemos nossa perspectiva, olhemos para fora com os pés no chão, plantados na terra e na realidade, mas com o coração aberto para receber, como uma sucá.


Shabat Shalom!


[i] Alter, Robert - The Hebrew Bible, Translation with Commentary – W. W. Norton & Company [ii] Devarim 16:14 [iii] Kohelet 1:9 [iv] Kohelet 1:3 [v] Kohelet 2:6

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