Shoftim é uma coletânea de leis e princípios sobre justiça, adoração exclusiva a Adonai, testemunhas para casos de pena capital, tratamento de assassinos acusados, obediência às autoridades, restrições a líderes, normas para profecias, refúgio para quem comete homicídio culposo, conduta durante tempo de guerra e a limpeza da comunidade de impurezas quando o assassino de uma pessoa morta não pode ser identificado.
Sinto uma tentação em falar da frase mais famosa desta parashá: Tsedek Tsedek Tirdof – Justiça, Justiça Perseguirás, e da conexão incrível da vida com a Torá, uma vez que nesta semana que passou marcamos 28 anos da nomeação de Ruth Baden Ginsburg z”l para a Suprema Corte Americana, quando se tornou segunda mulher, e a primeira judia, a servir na mais alta instância do judiciário estadunidense. Ela mantinha um quadro justamente com este passuk na parede de seu escritório. Quem não conhece sua história, vale procurar!
No entanto, foi um outro aspecto desta parashá que me chamou atenção esta semana: lideranças. Juízes, reis, sacerdotes e profetas são mencionados nesta parashá.
Quando uma questão jurídica for controversa, a regra da Torá é que se vá ao local indicado, onde o magistrado do momento se encontra, para apresentar o caso em disputa. “Quando te anunciarem o veredicto do caso, você deve executar o veredicto que é anunciado a você daquele lugar que o Senhor escolheu, observando escrupulosamente todas as suas instruções para você.”[i] Meu passado de advogada se intriga ao perceber que já aqui o juiz somente devia agir quando provocado; um princípio que existe até hoje no direito brasileiro, mas que alguns juízes às vezes ignoram, em busca de visibilidade e projeção política. Por outro lado, a decisão jurídica é obrigatória. Uma vez que há uma decisão final, é preciso respeitá-la.
Uma vez estabelecido na Terra Prometida, o povo pode querer estabelecer um rei para governar e liderar a nação. Este rei, de acordo com a Torá, será escolhido por Deus, e deverá seguir princípios éticos estritos, tais como não acumular fortuna, não acumular esposas, e não enviar seu povo novamente a Mitsraim (que pode ser lido literalmente como Egito, mas neste caso cabe perfeitamente a ideia de opressão – um rei não deve oprimir seu povo). O texto bíblico diz mais: diz que o rei deve carregar consigo uma cópia dos ensinamentos, da Torá, “Assim, ele não agirá com soberba para com seus companheiros ou se desviará da Instrução”[ii]. É bem verdade que, ao lermos o restante do Tanach, descobrimos que a vida dos reis de Israel não foi exatamente esta. Mas ainda hoje este é o ideal que temos para nossos governantes: retidão e caráter. Onde encontrar este líder, em especial no Brasil, realmente é uma tarefa Divina!
O levita não tinha terras, vivia das ofertas trazidas para os rituais, porque “Adonai é a porção deles, conforme prometido”[iii]. Sempre que se fala dos levitas me lembro da pergunta do meu irmão, há alguns anos, antes de eu iniciar meus estudos: “o rabinato é uma carreira ou uma vocação?”. A pergunta dele, era basicamente se dava para formar um patrimônio sendo rabino, ou se esta é uma profissão como ser professor, que trabalha por um propósito. Desde os tempos bíblicos, este deve ser um papel de servidor, de facilitação da relação do humano com o divino, que não deve ser feito por presentes pessoais ou patrimônio, como prega a própria Torá. Do levita ao rabino de hoje, o estabelecido é viver com dignidade, para poder servir à comunidade.
Chegamos então aos profetas, aqueles que trazem a mensagem divina para o povo. A humanidade busca profetas, pessoas com as respostas certas, com mensagens de esperança, que apontem para um futuro melhor, mensagens Divinas. “Como podemos saber que o oráculo não foi falado pelo Senhor?"[iv] Como determinamos o que é sagrado? O tempo dirá, é a resposta da Torá. Se acontecer, estava certo, caso contrário, estava errado. “As palavras de Moisés nos encorajam implicitamente a sermos abertos e pacientes, a perceber que a perspectiva da passagem do tempo nos instruirá sobre o que funciona, o que é bom, sagrado e verdadeiro para nossa comunidade sagrada.”[v]
Em shoftim aprendemos uma importante lição para os líderes e para todos nós: que precisamos entender nossos propósitos e limites de atuação; que é preciso carregar conosco, embaixo do braço, uma combinação de humildade e grandeza, que obtemos ao manter a Torá e seus ensinamentos perto de nós, para que possamos mergulhar nos textos sagrados para continuar servindo, aprendendo e melhorando, todos os dias de nossas vidas.
Shabat Shalom!
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