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Shabat de Pessach - Shemot 12:21-51

Na parashá que lemos nesta manhã de Shabat, ouvimos sobre o korbán (oferta) do cordeiro para Pessach, sobre como o sangue do cordeiro foi passado nos batentes das portas, sobre a obrigação de continuar com o korbán de Pessach para as próximas gerações. Então, lemos a triste passagem da morte dos primogênitos, e a expulsão dos israelitas, com seu gado e suas posses de Mitsraim. Falamos do pão que não fermentou e dos objetos que foram “emprestados” dos egípcios. Repassamos os detalhes do Korbán Pessach, e os filhos de Israel são libertados!


Uma parashá sobre morte, libertação e responsabilidade. A responsabilidade que devemos carregar e transmitir para as próximas gerações, de contar a história de Pessach, revivê-la, nos sentirmos parte dela. Com esta responsabilidade, vem a instrução da hagadá de ouvir e responder perguntas, o que é parte tão importante de nossa tradição. Assim o judaísmo viveu e vive: perguntas aos mais sábios, que buscam o caminho da halachá, e respondem com um caminho de como fazer – sheelá, tshuvá, halachá.


A libertação, que traz uma alegria, também traz responsabilidade. “Lembre de que fomos escravos no Egito”, e por isto cuidamos dos fragilizados, recebemos os estrangeiros, guiamos nossas vidas e nossas ações pelos valores morais que nos foram entregues na Torá e depois conclamados por nossos profetas.


Morte dos primogênitos, uma dor traduzida tão lindamente nas palavras da Torá:

וַתְּהִ֛י צְעָקָ֥ה גְדֹלָ֖ה בְּמִצְרָ֑יִם כִּֽי־אֵ֣ין בַּ֔יִת אֲשֶׁ֥ר אֵֽין־שָׁ֖ם מֵֽת׃

“Houve um alto choro no Egito; pois não havia casa onde não houvesse alguém morto.”

A palavra “צְעָקָ֥ה tseaká” pode ser traduzida como choro, propriamente dito, ou clamor. Clamor, é grito, lamento, gemido. Podemos imaginar o sofrimento de uma nação que enfrenta a morte em todas as casas, em uma única noite. A dor, o pesar que pousou sobre aquele lugar, que foi coberto pela morte de pais e filhos, do mais poderoso ao mais frágil daquela sociedade.


Lembrei do midrash que conta que quando Deus viu os israelitas catando e dançando ao ver os egípcios serem engolidos pelo mar, fica bravo e diz: “Como vocês ousam cantar de alegria quando Minhas criaturas estão morrendo”[i]. Em realidade, o texto bíblico, no momento da saída, somente fala que os israelitas pegam coisas de seus vizinhos, supostamente emprestadas, e saem apressadamente, antes mesmo de o pão fermentar. Eles não se alegram, mas sua atitude, mesmo que indicada por Deus, não nos causa orgulho dentro de nossa moral atual. Os egípcios estavam enlutados, machucados, e com medo deste povo que causou a morte de seus filhos. Nossos antepassados aproveitaram desta dor e fragilidade. Como contamos a nossos filhos?


O Talmud também ensina que nossa exaltação pessoal nunca deve nos fazer esquecer os infortúnios que afligem os outros[ii]. O comentário medieval de Tosafot atribui a esta fonte o costume de quebrar um copo no final de uma cerimônia de casamento e também o costume de derramarmos gotas de vinho na noite do Seder, para nos lembrar que nosso cálice de libertação e celebração não pode estar cheio quando outros têm que sofrer.


Por outro lado, devemos nos alegrar com a derrota do mal. Aprendemos desde pequenos que a bruxa má é castigada, o inimigo da Marvel eliminado, o exército inimigo derrotado. Qual é o limite da alegria da derrota do mal, frente à dor do outro? Como derrotar um exército sem ceifar a vida de jovens filhos da outra nação? A resposta vem com o profeta Ezequiel[iii]: “Não desejo a morte dos ímpios, mas que os ímpios se arrependam do seu caminho, para que vivam”.


Em uma metáfora diante do mar que se abre, se um lado é o bem e o outro o mal, devemos aprender a trilhar o caminho do meio, o caminho do sábio, como chamou o estudioso Maimônides. Precisamos continuar sabendo distinguir o bem do mal, celebrar vitórias enquanto sofremos a dor do outro. Devemos ter responsabilidade de contar e educar, e buscar o equilíbrio e a empatia como formas de construção da liberdade.


Shabat Shalom!




[i] Sanhedrin 39b [ii] Brachot 31a [iii] Ezequiel 33:11

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