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Será só superstição?

Hoje é dia 31 de dezembro, dia envolto em superstições e crendices populares. Pular sete ondas, comer lentilhas, 12 uvas, usar roupa branca, roupa íntima nova, cuja cor seria responsável pela sorte daquele que a usa durante todo aquele ano. Amarelo para dinheiro, rosa para amor, branco para paz.


Vivemos em um país cheio de crendices e superstições para o ano todo: não passar embaixo da escada, gato preto traz azar, bater na madeira para evitar o mal olhado. Isso tudo é judaico? Afinal de contas, judeus fazem isto?


Lemos na Torá que idolatria é proibido. Ídolo é um objeto ao qual atribuímos poderes divinos. O Talmud tem um tratado inteiro sobre Avodá Zará, em que os sábios discutem o que pode e não pode ser considerado “estranho” ao judaísmo. Atribuir poderes divinos a coisas, ou buscar contornar o poder de Deus por meio do uso de fórmulas mágicas ou rituais são atitudes condenadas pela Torá e pelas leis judaicas posteriores.


O Judaísmo exige excelência intelectual e moral e um relacionamento direto com Deus, enquanto a superstição fornece meios supostos de contornar ou manipular Deus a fim de afastar o mal ou alcançar algum outro objetivo desejado. No entanto, o povo judeu, ao longo da história, desenvolveu crendices e superstições, hoje tratadas como símbolos da tradição, que raramente questionamos. Por exemplo, há quem acredite que o marido de uma mulher grávida abrir o Aron haKodesh durante o serviço religioso, ajuda sua esposa a ter um parto mais fácil. “Pfu, pfu, pfu” três cuspes para evitar o mal olhado, “chamsa, chamsa, chamsa” como fazem os mizrahim. Não andar de meia, usar um fio vermelho no pulso, não deitar na mesa, não entregar o sal na mão do outro, fechar o livro de rezas, beijar a mezuzá, a Torá, os tsitsit... Todos nós podemos enumerar diversas superstições judaicas conhecidas, algumas até similares às de outras tradições.


Desde que comecei a estudar a relação dos judeus com suas crenças e tradições, algo que me interessa muito, me pergunto constantemente qual é o limite entre superstição e idolatria, qual é a razão para estas crendices. Tento ajustar meus atos cotidianos ao meu pensamento racional, e confesso que é uma tarefa difícil. Quem nunca pensou: “eu estava com aquela roupa na hora da notícia ruim” “ele cantou o gol antes!” “meu time só ganha quando os 4 amigos assistem o jogo juntos”.


Maimônides, em seus momentos racionais, pontuou que as referências em nossas fontes antigas a espíritos, olhos malignos e outros fenômenos sobrenaturais eram significativos apenas porque as pessoas realmente acreditavam neles e, portanto, psicossomaticamente, como diríamos hoje, eram realmente afetados por eles. Se alguém acreditava que havia sido amaldiçoado, ele se sentia amaldiçoado, e isso o afetava.


Talvez Maimônides esteja certo, atraímos melhores ou piores energias, agimos desta ou daquela forma quando achamos que algo vai acontecer. Nós instintivamente nos agarramos a qualquer coisa que prometa salvaguardar o que amamos, não importa o quão absurdo possa parecer através da reflexão racional. Está tudo bem! Mas precisamos ter a clareza de não culpar o amigo que não veio ao jogo, não joguemos a camiseta nova fora, não culpemos nossas roupas íntimas pelos nossos infortúnios. Momentos ruins acontecem, a sorte grande é ter à nossa volta a rede necessária para nos dar apoio quando necessitamos.


O Sefer haHasidim, obra germânica do século XIII diz: “"Não se deve acreditar em superstições, mas mesmo assim é melhor estar atento a elas ..." minha mãe diz “no creo en las brujas, pero que las hai...” Então, se for fazer bem para a alma, pulemos ondas, usemos o fio vermelho no pulso, e aproveitemos para que esta energia positiva que estamos canalizando através destes atos sirva para que possamos agir de maneira positiva diante de nossas vidas, diante dos outros.


Como todas as pessoas em todas as culturas e religiões, sejamos mais conscientes de que essas tradições sobre as quais nunca pensamos como dizemos e fazemos são superstições. Que neste ano que se inicia tenhamos muita energia positiva, mas, se momentos difíceis surgirem, que possamos contar com o amor e a amizade para nos segurar, nos dar conforto e abrigo.


Que o ano civil que inicia hoje seja bom, traga encontros, carinho, bênçãos, saúde e alegrias.


Um maravilhoso 2022 para todos!


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