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Pessach

Há 18 anos eu atravessava o mar. Não era o mar da escravidão para a liberdade, mas da mulher para a mãe. Lembro-me direito de acordar na noite após o João nascer e ir olhar para ele tentando acreditar que era real. Às vezes, apesar da travessia, é difícil acreditar que o resultado é verdadeiro. Então, todo ano, a partir do dia 18 de abril de 2001, passei a comemorar a benção de ser mãe. Muitas travessias já haviam ocorrido, e muitas outras estavam por vir.


Com o João aprendi a ser mãe: observar, ouvir, sentir, ensinar e aprender muito com cada choro, cada ato, cada ano de crescimento. Ao observar verdadeiramente uma criança percebemos a entrega aplicada a cada ato. A escuta é profunda, porque na fala do outro tem tudo o que é necessário saber; não há filtro, não há maldade, não se espera nada além da verdade vinda do outro. O olhar é atento aos mínimos detalhes, o importante é absorver o caminho, os detalhes, as cores e diferenças. A fala é muito menor, pois ainda há muito a aprender, mas quando acontece é pura e verdadeira.


Conta um midrash que, após o decreto do Faraó de jogar os bebês do sexo masculino no rio, os casais do povo hebreu decidiram se separar para não ter mais filhos. Então Miriam, ainda criança, intervém junto a seu pai, dizendo que a atitude dos hebreus era ainda pior do que a do Faraó, pois ele havia mandado sacrificar os meninos, mas os hebreus haviam decidido acabar com a possibilidade de um povo. Amram, pai de Aharon e Miriam decide voltar à sua mulher, e eles concebem Moisés.


A escuta plena e profunda da opinião de uma menina, de acordo com nossos sábios, é o que possibilitou que hoje à noite os judeus do mundo inteiro sentassem à mesa para celebrar a liberdade. Celebremos ouvindo plenamente, aprendendo e questionando. Celebremos de coração e ouvidos abertos. Que possamos aprender com nossas crianças a ouvir e olhar com profundidade, prestar atenção aos detalhes, esperar somente a verdade do outro.


Esta noite vamos atravessar o mar que novamente se abre diante de nós. Que possamos nos permitir sair juntos, do outro lado, seres humanos melhores.


Chag Sameach.


imagem: Thereza Nardelli

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