Normalmente, quando fazemos o comentário à parashá, nos atemos a um detalhe, escolhemos um assunto para comentar e aprofundar. A parashá Ki Tissa é uma daquelas que têm muitos assuntos fascinantes para tratar: o meio shekel, Shabat, chaguim, bezerro de ouro, segunda entrega das tábuas da lei, dez mandamentos, Moshé que vê um fragmento da imagem divina.
Ki Tissa é um chamado à comunidade. Um chamado para que nos apresentemos de maneira igual, meio shekel, rico ou pobre, para contar dentro da comunidade. Cada um de nós se apresenta como membro da comunidade, como alguém que conta e contribui.
Mas o que significa fazer parte desta comunidade? Significa uma vez por semana parar para reconectar com o que há de divino dentro de você. Significa estabelecer semanalmente um lugar sagrado no tempo em que nem você nem aqueles que te servem se dedicarão ao trabalho, ao mundano. É estabelecer a igualdade do direito de parada e descanso. Ser parte deste povo é contar o tempo, as estações, e agradecer pelo fruto que a terra te dá. Paramos, reconhecemos e agradecemos.
Mas como somos feitos à imagem de Deus, mas não somos divinos, erraremos. Nossos erros são grandes. Nossas inseguranças são grandes. Nossos medos são imensos. Somos mortais. O bezerro de ouro é uma lembrança de que, no momento de desespero, somos capazes de apelar a medidas extremas, a buscar conforto no local conhecido, mesmo que o conhecido seja Mitzraim, seja estreito ou opressor.
Mas Deus tem qualidades indescritíveis na linguagem humana. Bondoso, Generoso, Justo, Protetor... somos apresentados aos Atributos Divinos, e nos lembramos que o caminho de acolhimento sempre esteve disponível. Somos lembrados da escolha que fizemos lá no começo, de sermos meio shekel, de sermos parte deste povo.
Uma segunda chance está disponível para quem tem honestamente a intenção de recomeçar. Mas a segunda chance já não é entregue com facilidade. É preciso mostrar esforço, esculpir as pedras, escrever as regras, se afastar novamente e esperar novamente. Talvez a segunda chance nos apresente a possibilidade de apropriação mais profunda daquilo que estamos conquistando. Agora, porque foi fruto de nosso esforço, é mais nosso.
“Você é responsável por aquilo que cativas” disse Saint Exupery. Você é responsável por aquilo que escolhe, e a responsabilidade vem rodeada de regras, que se iniciam em 10 mandamentos, repetidos para que não esqueçamos. Mas, como saber se o que estamos vivendo é real? Como acreditar nesta relação de amor e dedicação com algo tão superior ao que nossas pequenas mentes humanas são capazes de alcançar?
Quem vê a completude desta maravilha não sobrevive, então uma fração de Deus se mostra a Moshé, que se transforma eternamente por aquela visão. Sua face passa a brilhar tanto, que é necessário cobri-la. A cada encontro com o Divino, esta luz se recarrega.
Neste shabat, em que somos relembrados do medo e da incerteza dos tempos em que vivemos, em que pude voar novamente depois de mais de um ano, em que me senti pequena e vulnerável, insegura e só, que possamos ser lembrados de nosso lugar em comunidade. Lembremos que cada um de nós conta igual, não somente na hora de se apresentar para construir a comunidade, mas também na hora de ser levado em consideração, de guardar e observar o shabat como um tempo sagrado. Que possamos compreender nossos erros, mas que possamos também ter uma segunda chance. E, principalmente, que possamos encontrar o divino em nós mesmos, nas pequenas bênçãos da vida cotidiana, nas grandes oportunidades e presentes que a vida nos dá. Que possamos brilhar com o encontro divino.
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