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Parashat Vaishlach - Bereshit 32:4 - 36:43

Em Vaishlach, Deus diz a Iaacov para voltar para casa. Preocupado que seu irmão Esaú o mate, Iaacov divide seu clã em dois campos, pensando que, assim, pelo menos alguns sobreviverão em caso de uma luta. Iaacov dorme sozinho no deserto e é acordado por um estranho que luta com ele durante a noite. Iaacov sobrevive, é abençoado e renomeado como Israel. Iaacov encontra seu irmão e, surpreendentemente, eles se abraçam. Dina, filha de Iaacov, é estuprada por Shechem, que então pede a Iaacov permissão para se casar com ela. Shimeon e Levi assassinam brutalmente Shechem e seu clã. Rachel tem outro filho, Benjamin. Rachel morre após o parto e é enterrada no caminho. Itzhak morre e é enterrado por seus filhos.


Shabat Vaishlach, para mim, é o Shabat de Diná. Foi então com orgulho que descobri que o Movimento Reformista em Israel fez deste Shabat um momento especial – Shabat Diná - quando lidam, enquanto comunidade, com o impacto contínuo da violência de gênero. Por muitas gerações, essa história do estupro e de silenciamento de Diná, bem como a história do caos absoluto que entra em uma família quando um membro é ferido dessa forma, foi comentada e julgada pelos olhos de homens que viviam em sociedades onde o estupro era visto tanto como uma grande violação das normas sociais, quanto vergonhoso para a vítima. A maioria dos comentários tradicionais não são muito gentis ou mesmo respeitosos com Diná, e interpretam sua dor como consequência de suas ações, culpam a vítima, chegando ainda a culpar sua mãe, Lea, pelo ocorrido.


Hoje é Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, o que me levou a buscar índices de violência contra a mulher negra no Brasil. Nos 889 casos de homicídios dolosos ocorridos em 2020 contra mulheres que apresentam, de fato, informações sobre a raça, 650 (73%) envolvem mulheres negras. Em casos de estupro ou violência doméstica, esta taxa diminui para 50%, o que, de acordo com especialistas, só demonstra que mulheres negras denunciam menos estes tipos de casos de violência. Enquanto o homicídio é registrado institucionalmente, casos de agressões e estupros dependem das denúncias das próprias vítimas. Para evitar o racismo institucional e a violência moral, as mulheres negras não buscam as autoridades de segurança, gerando a subnotificação.


O silêncio une Diná, as mulheres negras brasileiras, e tantas outras vítimas de violência sexual e moral. A parte mais devastadora da história de Diná na parashá desta semana é que a Torá não compartilha a perspectiva de Diná, ela não tem voz, somente uma pequena ação.


“Diná, filha que Lea dera a Iaacov, saiu para observar as mulheres da localidade, e Shechem, filho de Chamór o Hivita, príncipe do local, a viu; ele a tomou e a deitou no chão e a estuprou. Ficou então cativado por Diná, filha de Iaacov e, apaixonado pela jovem mulher, passou a falar ternamente com a jovem mulher. Assim, Shechem disse a seu pai Chamór: “consiga esta menina para mim para [ser minha] esposa.”[i]


A rabina Aviva Richman interpreta o silêncio de Diná: “Diná não teve voz para gritar quando Shechem a maltratava, não apenas por causa da dor e vergonha desse encontro em particular, mas porque, como mulher, ela havia sido ignorada e silenciada por anos. O silêncio de Diná reflete uma longa história de estigma.” É triste que, até os dias de hoje, vítimas silenciam por dor, vergonha ou necessidade. Às vezes é preciso calar para esperar o momento em que a voz terá a força suficiente para ser ouvida, em que outras vítimas se somarão à narrativa para dar corpo e credibilidade a cada uma das histórias individuais.


Mas também encontramos no texto bíblico o reflexo da dor gerada na família da vítima. O silêncio e inação cortantes de Iaacov, a violência dos irmãos de Diná, a ausência de Lea, o apagamento de Diná que, após ser retirada da casa de Shechem, não aparece mais no texto bíblico. Colocada na sombra e no silêncio para sofrer e, quem sabe, se recuperar sozinha.


A Torá oferece um relato como muitos em nosso próprio tempo, onde as experiências das mulheres são silenciadas e invisíveis, deixando apenas um resíduo contínuo de estigma. Devemos nos incomodar por não sabermos qual foi a experiência de Diná, se houve somente dor, perseguição, ou se houve também espaço para amor, assassinado por seus irmãos em nome da honra, sem uma palavra de Diná. Devemos nos incomodar com as tantas experiências de vitimização e opressão que permanecem em segredo silencioso ainda em nossos dias.


A leitura da história de Diná mudou dramaticamente nas últimas décadas, principalmente graças ao fato de as mulheres encontrarem nela um reflexo de suas próprias histórias pessoais de mágoa e humilhação. A história de Diná encontrou nas palavras das acadêmicas e rabinas dos nossos dias voz e uma importância muito maior. Encontramos em Diná a força do texto sagrado para nos levar a conversar e dar voz ao silêncio da opressão, da dor escondida, da vergonha em ser vítima.


Que possamos ser bnot Diná, filhas de Diná. Que possamos encontrar a força para falar de nossas dores e apoio para sermos escutadas sob o nosso próprio ponto de vista. Sejamos uma rede de homens e mulheres, shevet Diná, para lutar contra o silêncio e a opressão.


Shabat Shalom.



[i] A Torá, Um comentário Moderno – Gunter Plaut – publicado pela UJR

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