Estamos chegando ao final da Torá. Nesta parashá, Moisés conclui seu discurso aos Bnei Israel, os israelitas, nomeia e abençoa Ioshua e instrui a comunidade a se reunir a cada sete anos para ler publicamente a Torá. Deus prediz o eventual afastamento dos israelitas, pedindo para que um poema seja escrito para que o povo não esqueça de seus ensinamentos.
É interessante que justamente no Shabat entre Rosh haShaná e Iom Kipur, quando estamos lidando com a nossa teshuvá e nos relacionamos com nossas limitações e nosso próprio sentimento de finitude, somos apresentados à finitude do maior líder de nossa tradição. Nunca houve nem nunca haverá outro como Moshé. No entanto, somos apresentados a toda sua humanidade: seus defeitos, seus limites, sua idade e sua finitude.
A primeira atitude, ao se deparar com a aproximação de seu fim é definir um sucessor, organicamente escolhido, treinado e que agora será empoderado diante do povo: “Chazak veEmatz!”[i] Seja forte e decidido! É o conselho de Moshé para Ioshua. Não tenha medo, Deus estará com você, eu estarei com você.
Escolher um sucessor, treiná-lo e empodera-lo não é algo simples de se fazer. Saber o momento de se afastar para dar lugar ao outro não é nada fácil.
Na primeira noite de Rosh haShaná lembramos do primeiro yurtzeit da juíza norte-americana Ruth Baden Ginsburg. Ícone da luta feminista mundial, ela foi a primeira mulher judia a fazer parte da Corte Suprema dos Estados Unidos. Seu papel foi absolutamente importante na conquista de direitos das mulheres e de outras minorias, seu lugar na corte foi marcante e inovador. No entanto, uma crítica é feita à sua pristina carreira como juíza: ela não soube sair no momento em que era seguro para garantir uma sucessão alinhada com seu legado.
Em nosso grupo de estudos da parashá na ARI, surgiu a pergunta extremamente relevante: “Como saber quando está chegando a hora?”. Realmente não há como, por isto alguns planejamentos devem ser feitos com muita antecedência. Além de todas as partes práticas da vida: contas, senhas, documentos, etc, devemos pensar em determinar um momento a partir do qual vamos aproveitar o tempo. Envelhecer com sabedoria faz parte das lições que Moshé pode nos trazer. Ele se manteve ativo em seu papel até o final, mostrando que a energia pode diminuir, os passos podem ficar mais lentos, mas a vitalidade continua.
A maior lição de vida tenho pertinho de mim. Minha mãe sempre foi uma lutadora. Minha lembrança dela é de estar sempre trabalhando muito, lutando para pagar as contas, nos criar com a melhor possibilidade, com um esteio familiar, judaísmo e educação. No entanto, em um dado momento, as aulas particulares de inglês começaram a diminuir, e ela começou a curtir um pouco os dias dela. Passou a dançar Tango e, perto dos 70 anos, na Argentina, encontrou um amor, e recomeçou. Idade não foi impeditivo para a mudança, pelo contrário. Estar nesta fase de vida que possibilitou que ela olhasse para ela mesma pela primeira vez em tantos anos, e decidisse correr atrás da própria felicidade.
O rabino Richard Address, especializado em envelhecimento diante da tradição judaica, ensina que “A vida mítica de 120 anos de Moisés nos ensina que nossa tradição nos dá a permissão, até mesmo a liberdade, para continuar a crescer e evoluir como um ser humano espiritual. Esse número também nos lembra que há um limite finito para nossa existência física, e que é contra tudo o que consideramos uma tradição judaica desperdiçar esse tempo.”[ii]
“Chazak veEmatz” seja forte e decidido é a lição repetida diversas vezes em Vaielech. Não tenha medo, Deus e nós estaremos com você. O apoio para a jornada continuada ou renovada é importantíssimo, não importa a idade. Saber que há com quem contar torna a decisão mais segura, dá forças para a jornada.
Não sabemos quando é o tempo certo de partir. Não sabemos quando nossos dias estão chegando. Mas nossa responsabilidade é viver plenamente cada dia de nossas vidas. É preciso preparar a sucessão, dar espaço na hora certa, não se apegar a um lugar, porque a maior lição que Moshé nos deixa é que somos finitos. A vida que vivemos e a sucessão que criamos são as únicas garantias para a manutenção de nossos legados, ensinamentos e memória vivos.
“Não temas e não te desanimes!”[iii]
Shabat Shalom
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