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Parashat Vaicrá - Vaicrá 1:1 – 5:26

A parashat Vaicrá inicia o livro de Vaicrá, ou Levítico, também conhecido como Torat haCohanim (instrução aos Cohanim). O livro consiste basicamente em instruções sobre korbanot (traduzidos ao português como sacrifícios) e outros assuntos difíceis, assim, a parashat Vaicrá em si fala sobre alguns korbanot específicos: Olá - oferta queimada - um sacrifício voluntário considerado a oferta “padrão”; Minchá - oferta de refeição - sacrifício feito de farinha, óleo, sal e incenso que era parcialmente queimado no altar e parcialmente dado aos sacerdotes para comer; Zevach Shelamim - oferta de bem-estar - oferta voluntária de animais do rebanho, às vezes trazida para cumprir um voto; Chatat - oferta de purificação - oferta obrigatória que era oferecida para expiar pecados não intencionais, que difere das demais no tratamento especial do sangue do animal; Asham - oferta de reparação - oferta obrigatória de um carneiro que era exigido principalmente de quem se apropriava indevidamente de propriedades.


Uma das maiores curiosidades sobre esta parashá, como outras poucas, é que há muito material que discute a primeira palavra de seu texto. Isto se dá por diversos motivos. Um deles questiona quem teria chamado Moshé, uma vez que a frase da Torá diz:

וַיִּקְרָ֖א אֶל־מֹשֶׁ֑ה וַיְדַבֵּ֤ר יְהֹוָה֙ אֵלָ֔יו

Traduzido no Chumash Plaut como “O eterno falou a Moisés dizendo”, poderia ser literalmente traduzido como “E chamou a Moshe e falou Adonai a ele” ou “E chamou El Moshé, e falou Adonai a ele”. Quem chamou Moshé: 1 – Alguém indeterminado chamou e Deus falou; 2 – nesta frase da Torá Deus é chamado por dois nomes diferentes (algo extremamente raro, se não único); 3 – Deus chamou a Moshé, só a estrutura da frase está invertida. A pergunta é: de onde vem este chamado?


Já o Professor Frederick E. Greenspahn escreveu um artigo inteiro sobre as possíveis interpretações do “vav” a letra v que inicia a palavra Vaicrá, explicando que ela pode ser entendida como uma conjunção, sendo traduzida como “e”. Outra possibilidade é uma atribuição gramatical que se chama o “vav reversor”, um “vav” que reverte o tempo verbal, tornando o passado presente e o presente passado. No caso de Vaicrá o verbo está no passado, mas o i do início da palavra significaria futuro, então o “vav” indicaria que a palavra deve realmente ser lida no passado “chamou”. Uma discussão longa e interessante para chegar à conclusão de que a gramática, assim como a interpretação do texto bíblico mudou muito ao longo do tempo.


No entanto, a discussão sobre a palavra Vaicrá que mais tomou e toma o tempo dos exegetas ao longo do tempo foi a explicação acerca da letra alef א que é escrita em tamanho menor que o restante da palavra na Torá. A interpretação mais comumente encontrada é de que este alef é um símbolo da intensa modéstia de Moshé. Outra, é de que Deus deve ser visto e ouvido nas pequenas coisas da vida e não apenas nos grandes, grandes eventos. Na quinta-feira, lemos sobre a teoria de que o pequeno alef de Vaicrá representa o amor infinito entre Deus e o povo judeu. Há ainda quem interprete como uma representação do fato de que a voz de Deus só foi ouvida por Moshé dentro dos limites do Mishkan/Tabernáculo e não fora dele, indicando que Deus é capaz de “conter” Sua presença no universo para dar espaço para a natureza e os humanos operarem.


Diferente de outras passagens, em que lemos Deus falar (vaidaber) ou dizer (vaiomer), aqui, Deus chama Moshé, como um movimento de aproximação, um chamado para falar dos korbanot, que serão expressões de aproximação do povo com Deus. Um indicativo de carinho, onde um lado diminui um pouco sua presença, para que o outro se expresse. Esta é uma ideia reiterada pela rabina Aviva Richman, que sugere que “Vaicrá é um convite persistente que lembra a Moshé repetidamente que Deus quer estar perto dele. Esta leitura de Vaicrá evoca a maneira como um pai chama obsessivamente o nome de seu filho, ou a emoção de falar o nome de seu amado ou amada, ou ouvir alguém que você ama falar seu nome. Vaicrá carrega a sensação de intimidade que vem ao saber que outra pessoa sempre quer estar perto de você, crescer com você.”


Esta relação íntima estabelecida entre Moshé e Deus transformou Moshé enquanto ser humano. Mas em realidade, toda relação em que há esta vontade mútua de diminuir um pouquinho de si mesmo para dar espaço para a expressão do outro, traz esta possibilidade de transformação. O alef pequeno talvez represente a porta do coração que abrimos para o outro entrar. Não nos alteramos por inteiro, nossas outras letras continuam grandes e fortes, porque são a expressão de quem nós realmente somos. Mas a letra muda diminui, dando a possibilidade de entrada para algo mais.


Num contexto religioso, “cada vez que abrimos a Torá para ler as palavras de Deus – no início de cada “pronunciação divina” – as próprias palavras devem ser inseridas nessa postura relacional amorosa. Só podemos encontrar palavras da Torá se pudermos ouvir Deus chamando nossos próprios nomes primeiro. E, esperançosamente, conheceremos o potencial de nossos nomes e “eus” mais profundamente em virtude desse chamado à Torá” é o que sugere a rabina Aviva.


Se pudermos entender o livro de Vaicrá como um chamado de Deus para que nos aproximemos, abertos para uma relação, para sermos modificados por este relacionamento, poderemos então ler este livro com mais facilidade, com mais amor. Se nos abrirmos ao outro com um alef pequeno, talvez estejamos nos oferecendo a possibilidade de estabelecer relações mais profundas, mais modificadoras.


Shabat Shalom.


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