Parashat Shemini tem um texto que no todo pode ser visto como bastante estranho: começa com a ordenação de Aharon, passa pela morte súbita de Nadav e Avihu, filhos de Aharon, e então leis de alimentação – kashrut.
Uma visão interessante sobre este todo é de que seja uma visão de santidade, que expande do santuário, para o sacerdote e então para todo o povo. Cada um deve se tratar seu próprio corpo como sagrado, cuidar de suas atitudes com sacralidade, para contribuir com sua parte para a construção de um povo sagrado.
No entanto, o que me pesa nesta parashá é a proibição que Aharon recebe em se enlutar por seus filhos. A dor de Aharon é sentida no texto bíblico, o que acho bastante interessante, como um subtom em boa parte desta parashá. Assim que os filhos de Aharon são mortos pelo fogo, Moshé fala: “Isto é o que Adonai quis dizer ao dizer: Através dos que estão perto de Mim, Me mostro santo, e ganho glória diante de todo o povo”.[1] Para mim, parece bastante insensível por parte de Moshe. Ele não consola o irmão, mas joga na cara dele uma declaração que ele não precisava naquele momento.
A reação de Aharon é silêncio; em hebraico: “וַיִּדֹּ֖ם אַהֲרֹֽן” “vaiadom Aharon”. De acordo com o dicionário BDB, “damam” significa “ser ou ficar mudo, silencioso, imóvel”. A dor de perder dois filhos no dia em que deveria ser de festa pela ordenação deles como sacerdotes paralisou Aharon. Então, Moshé diz a Aharon que ele e seus filhos não devem adotar os símbolos de luto por Nadav e Avihu, porque Deus pode se zangar. Aharon, dormente pela dor, recebe ordens, instruções e nenhum consolo.
Ao final do capítulo 10, Moshe percebe que Aharon e seus filhos não comeram a carne dos sacrifícios como Moshe havia ordenado, e briga com eles. Então, Aharon responde: “Veja, hoje eles trouxeram suas ofertas pelo pecado e suas ofertas queimadas diante de Adonai, e tais coisas aconteceram comigo! Se eu tivesse comido a oferta pelo pecado hoje, Adonai teria aprovado?”. Finalmente, um rompante. Aharon se liberta do silêncio e grita sua dor.
Rashi[2] explica que “O termo “dizer” usado aqui denota uma expressão áspera”, a explicação expande para as tecnicidades do consumo da carne dos sacrifícios e as dúvidas que pairavam sobre Aharon, diante da perda dos filhos e todas as outras regras posteriores.
Aparentemente, Aharon resolve fazer seu irmão se calar e dar o tempo que ele e seus filhos precisam para retomar o ritmo. Diante da perda súbita e inesperada Aharon, como qualquer pai, ficou paralisado com a dor. Ao absorver a dor, Aharon defende seus filhos vivos, e demonstra seu próprio sofrimento. Assim, passando pelos momentos de dor da perda, Aharon vai ter a possibilidade de continuar, mesmo que marcado pela ausência de Nadav e Avihu, seus filhos.
A autora israelense americana Sherri Mandell escreveu: “O luto pelo meu filho tem semelhanças com o trabalho de parto. As contrações de dor correm pelo meu corpo como um nó cada vez mais apertado de forma que não consigo respirar, morta junto com meu filho. Meu ventre se torna uma sepultura. Sinto a dor dele na minha barriga, uma pressão caindo sobre mim. Sempre estará dentro de mim. E embora eu espere e reze para que um dia não seja tão grande com a dor como estou agora, a dor nunca vai me deixar.”
Lembro da minha avó, que perdeu uma filha, e dizia que a dor da ausência a acompanhou por todos os dias da sua vida. Ela ensinava que você cura, mas não se recupera. A cada vez que ouço ou que acompanho uma mãe que perdeu um filho, lembro de minha avó e seus ensinamentos. A cada vez que acompanho um pai que perdeu um filho, trago comigo Aharon.
Esta semana, em Israel, um pai perdeu duas filhas e a esposa para os terrores de uma interminável guerra para a qual nunca haverá vencedores. Que ele possa encontrar maneiras de viver seu luto por completo, e que tenha forças para continuar sua vida junto aos seus outros filhos. Que as memórias dos bons momentos em família com suas filhas e esposa possam aquecer seu coração e guiar seus passos em um caminho de amor e tranquilidade.
Shabbat Shalom.
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