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Parashat Noach - Bereshit 6:9-11:32

Nesta porção da Torá, Deus decide causar um dilúvio que destruirá o mundo, poupando apenas a família de Noach - Noé e os animais que Noach reúne na arca. A vida recomeça após o Dilúvio. Os mandamentos de Noach são listados e Deus usa um arco-íris para fazer um símbolo da primeira aliança com a humanidade. As pessoas começam a construir uma cidade e a Torre de Babel. Deus espalha as pessoas e lhes dá diferentes línguas para falar. As 10 gerações de Noach a Avraham são listadas.


É interessante que esta parashá é uma das mais utilizadas para mostrar como o texto bíblico que conhecemos hoje é nada menos do que uma composição de textos de tempos antigos, com origens diferentes, e que foram editados para que fizessem sentido para quem seguisse uma ou outra tradição, e continuasse a fazer sentido para as gerações futuras. Esta é a teoria literária da Bíblia, defendida pelo acadêmico Richard Eliot Friedman. Inconsistências no texto, como o número de cada um dos animais que foram levados para a arca são claramente explicados por esta teoria.


Mas esta semana é o aspecto da maldade e corrupção do ser humano que buscaram meu olhar. O propósito essencial do Dilúvio, declarado ao final da parashat Bereshit foi de limpar a Criação da falha que levou à sua corrupção. E, no entanto, desde o momento em que a Arca pousou em terra firme, Deus demonstrou estar ciente de que algumas falhas essenciais persistiam. Deus diz: “Nunca mais levarei destruição ao mundo por causa do que as pessoas fazem, pois a mente humana se inclina para o mal desde a juventude”.[i]


A maldade humana não está somente nos atos, mas nesta parashá, essencialmente na palavra. As primeiras palavras de Noach não louvam a Deus, nem expressam gratidão, nem pedem ajuda, nem proclamam justiça. Nada é dito sobre qualquer resposta de Noach a Deus, ele ouve e faz, assim como não temos qualquer palavra dele para sua família, Deus manda, e Noach faz acontecer. Até que as águas recuam, Noach planta uma videira, um de seus filhos “vê a nudez de seu pai”, e os outros “cobrem sua nudez”. Noach fala, e suas primeiras palavras são uma maldição a seu filho e gerações posteriores.


Deus reconhece o poder da linguagem humana na próxima história, o episódio da Torre de Babel[ii]. Desta vez, Deus, para restringir as pessoas, confunde a linguagem, minando sua capacidade de usar a linguagem de forma destrutiva. Mas qual poderia ser o perigo de uma única língua que une toda a humanidade? Temos a tendência de pensar que a linguagem e pensamento iguais levam à paz, à construção do mundo vindouro, como rezamos no Aleinu: “naquele dia, todos os seres vivos serão unidos em Teu ensinamento, em paz, justiça e compreensão mútua”. Talvez a linguagem única não nos proteja realmente, mas nos coloque em um lugar de intransigência, de ignorância acerca do outro. A paz e o mundo vindouro talvez não venham da linguagem única, mas da compreensão das diversas línguas que compõem a humanidade.


Se pensarmos na Torre de Babel como um conto figurativo acerca da ganância humana residente nos ambientes urbanos, podemos voltar àquela ideia inicial de que o texto bíblico é a união de textos de um certo tempo. A história da Torre de Babel é atribuída à tradição do reino de Judá, cuja capital é Jerusalém, que em um dado momento é corrompida pela ganância dos sacerdotes, e eventualmente cai, como lemos nos textos proféticos. A corrupção das cidades é um tema relevante para esta tradição. O poder dos sacerdotes estava justamente na palavra que proferiam no Templo.


“Os humanos se extraviam por causa de suas falhas inerentes, Deus destrói o mundo como eles o conhecem, um pequeno remanescente sobrevive e Deus faz uma aliança com os sobreviventes jurando que Deus não fará isso novamente. Em uma leitura cíclica, Deus está fazendo o que Deus sempre faz e nós estamos fazendo o que sempre fazemos. A história de reconciliação e retorno após a destruição de Jerusalém, que lemos na haftará desta semana, é uma recontagem da história do dilúvio e um prenúncio dos exilados e dos retornos que virão” é o elo que a acadêmica Bex Stern Rosenblatt faz da parashá com a haftará.


Os humanos são dotados do bem e do mal desde seu nascimento, Ietzer haTov e Ietzer haRá, mas também são dotados do livre arbítrio. “Morte e vida estão no poder da língua.”[iii] É o que nos ensina provérbios, em nossas palavras e em nossas escolhas estão nossas possibilidades de destruir ou construir. Que possamos optar pela volta a Tsion, pelo pacto de luz e cores do arco-iris, pelo respeito e compreensão da beleza e riqueza que somente são possíveis através da pluralidade de linguagens.


Shabat Shalom!


[i] Bereshit 8:21 [ii] Bereshit 11 [iii] Ketuvim 18:21

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