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Parashat Ki Tetsê - Devarim 21:10 – 25:19

De maneira bem geral, nesta porção da Torá, Moshé apresenta regras específicas sobre relacionamentos familiares adequados, continua com leis que envolvem muitos aspectos da vida cotidiana, justiça, responsabilidade familiar, trabalho e sexualidade. Com honestidade, esta parashá tem tantos assuntos diferentes para serem comentados, que daria drashot (comentários) semanais para um ano inteiro! Foi, porém, lendo o comentário semanal da rabina e acadêmica Aviva Richman que encontrei o elo que liga diversos temas da parashá com a frase que pulou aos meus olhos e falou ao meu coração.


Ela começa seu comentário dizendo: “A importância de a liderança assumir responsabilidade também pode fundamentar nossa leitura da parashá desta semana, Ki Tetsê, que discute muitos exemplos de atos sexuais ilícitos. Frequentemente, a Torá aponta na direção de determinar a culpa para as partes específicas envolvidas. Mas alguns comentários aqui oferecem um caminho que se concentra mais na responsabilidade de uma comunidade e no papel da liderança para criar uma cultura em que a integridade corporal e a dignidade humana possam florescer.”


Pessoalmente, estou num momento de choque de culturas e realidades. Tentando aprender o modus vivendi dos Ingleses e olhando meu país, pela primeira vez, à distância. Ontem foi um dia marcante neste sentido. Li jornal ouvindo de fundo as notícias locais. Enquanto o grupo de whatsapp da minha vizinhança de São Paulo falava sobre mais um assalto em nossa pequena região, lembrando ainda do assassinato de um pai diante do filho em nosso bairro, ouvia que um cachorrinho Pug foi violentamente esfaqueado em um parque local. Há outros atos violentos por aqui, claro! Mas o fato do Pug esfaqueado virar notícia fala muito acerca da diferença entre as realidades brasileira e londrina. Para os preocupados, o Pug passa bem.


Um dos tópicos de Ki Ttetsê fala sobre o ataque sexual a uma moça que está noiva, e da diferença de punição no caso de ela estar na cidade (onde ela poderia gritar por ajuda) ou no campo (onde não há quem ouça seu chamado). A regra presume que, ao ouvir um grito de socorro, as pessoas da cidade imediatamente correrão para socorrer a moça. Comentários posteriores falam sobre cidade versus campo como figurativos entre o lugar onde é possível ser ajudada/salva e onde não vamos encontrar auxílio.


“A distinção cidade versus campo não é sobre se houve alguns espectadores que poderiam atacar valentemente para resgatar uma vítima. Não se trata de indivíduos, mas depende da cultura maior. Quando um líder define o tom de “não se importar” com a agressão sexual, isso não pode deixar de permear todo o ethos da cultura. Isso acontecerá o tempo todo, envolto em um silêncio de desespero e medo. Isso terá um impacto de longo alcance como um ataque à dignidade de muitas pessoas e seus corpos, enquanto as causas básicas permanecem sem solução, como o assassinato não resolvido.”[i]


Sinto que essa discussão também pode ser usada para nossa relação com qualquer situação de violência, não somente sexual. Deixamos de ouvir o grito do oprimido, acostumamos os olhos e os ouvidos com a violência ao nosso redor, e aprendemos a falar “Só levaram o carro, abri o supercílio, mas está tudo bem”. Não está tudo bem! Estamos deixando de fazer nossa obrigação bíblica de ouvir o pedido de socorro, de nos indignarmos. “Você não pode ficar indiferente! - לֹ֥א תוּכַ֖ל לְהִתְעַלֵּֽם”[ii] é o que clama o texto bíblico. De longe, só me resta rezar pelo meu país, que esta semana fez 200 anos de independência. Um país que continua se enxergando como o país do futuro, sem cuidar de seu presente nem lembrar do seu passado.


Então, hoje, em minha tefilá matinal, agradeci a oportunidade de trazer minha filha para um país que fica indignado quando um Pug é atacado no parque, em que ela pode ir sozinha de ônibus para a escola, em que as pessoas ainda não são indiferentes.


Shabat Shalom.





[i] Rabbi Aviva Richman, Hadar Institute [ii] Devarim 22:3

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