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Parashat Ekev - Devarim 7:12-11:25

Talvez por sua característica de ser uma retomada dos passos dos israelitas, através das lentes de Moshé, as parashot de Devarim são riquíssimas de assuntos. Ekev não sai desta característica: traz o segundo parágrafo do shemá, fala sobre fertilidade, sobre recompensa e castigo, sobre a proibição de idolatria, sobre cumprir mitsvót, sobre proteger os fagilizados, sobre a circuncisão do coração – uma das expressões mais poéticas da Torá, que eu adoro.


Ekev fala muito da relação do humano com a alimentação, com a comida. Fala da terra fértil, fala do maná, das espécies de Israel, e da obrigação por agradecer a Deus pela comida que temos.


וְאָכַלְתָּ֖ וְשָׂבָ֑עְתָּ וּבֵֽרַכְתָּ֙

Comer, se saciar e agradecer.


O comentarista francês do século XIII, Chizkuni, explica que “este versículo é aquele do qual os sábios derivaram as três primeiras bênçãos na oração conhecida como Birkat haMazon ברכת המזון, a prece de graça após as refeições.”[i].


Desde pequena eu conheço o Birkat haMazon, um dos momentos mais festivos da Colônia da CIP, que eu frequentava durante as férias. Entendia que era algo daquele lugar e dos jantares de Pessach de minha família, mas que não faz parte de nosso costume atual rezar antes ou após a refeição. Por outro lado, sempre vi com admiração, respeito, e até uma pitada de inveja o enraizado costume americano de “say grace” antes das refeições, que aparece em diversos filmes. Então, desta vez, ao ler a frase “Você comerá, e ficará satisfeito, e agradecerá ao Senhor teu Deus pela boa terra que te deu”[ii]me levei então a pensar nas tantas tradições judaicas que foram apropriadas por outras culturas, e nós, judeus, simplesmente deixamos de praticar, passando a enxerga-las como parte de outra cultura, e não a nossa.


É interessante que, em Ekev, a experiência de comer e se fartar é ligada à terra de Israel, onde o povo encontrará “cevada, uvas, figos e romãs, uma terra de oliveiras e mel”[iii], porque durante a travessia no deserto a alimentação é justa, aflitiva, provida por Deus, através do maná (man em hebraico). A acadêmica Ilana Kurshan ressalta que “a experiência de comer maná não se tratava apenas de aflição, mas também de fé. Visto que o maná não podia ser armazenado, as pessoas tinham que ter fé que Deus faria chover novo maná todos os dias.”[iv]


Há também um estranho paralelo entre a vida no Gan Eden e a vida no deserto, ambos lugares onde Deus provinha o sustento; a diferença reside na abundância do Gan Eden e a aflição do deserto. Por outro lado, tanto ao sair do Gan Eden, quanto ao sair do deserto, passamos a ter que trabalhar a terra para dela tirar sustento. Mas, se na saída do Gan Eden isto era um castigo, na conquista da Terra Prometida este é um fato a ser celebrado: somos donos de nosso chão, plantamos, colhemos e comemos com fartura. E se aprendemos algo do tempo do deserto, agradecemos!


No Talmud encontramos várias referências à importância da alimentação: Rabbi Avdini disse “Antes de uma pessoa comer e beber, ela tem dois corações, mas depois que ela come e bebe ela tem apenas um coração”[v], dando a ideia de que a fome tira o foco das pessoas; já Rabbi Meir disse “Triture alimentos com os dentes e você encontrará nos pés a força para carregar o seu corpo”[vi].


Enquanto em nossa parashá a comida serve como aflição ou tranquilidade, e se baseia em nossa relação com Deus, no Talmud ela serve como força e sustento. Com o passar do tempo, a relação com a comida passou a ser mais prática do que espiritual, e assim foi através dos tempos. Mas, como lemos na parashá, “o homem não vive só de pão”[vii], num indicativo de que precisamos alimentar corpo e alma. Então, em 1986 surgiu na Itália o movimento Slow Food, reclamando a relação espiritual com a comida, diante da conquista mundial das redes de Fast Food. O documento fundante do movimento falava da necessidade de um outro modo de se relacionar com o alimento, uma relação de prazer. “A comida envolve muitas dimensões da vida, é um dos elementos principais que moldam nossa identidade e nossas relações com o mundo. A comida é conexão com o território e a natureza. Ela é memória e afeto, é história e patrimônio; permeia todas as culturas e muitos rituais”.[viii] Assim também é no judaísmo nos chaguim e nos Shabatot.


Proponho hoje um desafio: que voltemos às nossas origens e busquemos uma relação diferente com a alimentação, com a refeição diária. Busquemos o ritual do comer, sejamos capazes de ver a bênção que é nos sentar à mesa e comer livremente uma boa comida, com ou sem companhia de outras pessoas. Vamos olhar para nossas mesas e enxergar muito mais que pão, mas amor, acalento, espiritualidade. E então, que possamos tornar nossas refeições sagradas com as brachot que encontrarmos em nossos corações.


Shabat Shalom.



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