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Parashat Bo - Shemot 10:1-13:16

Nesta porção da Torá, Deus envia a oitava e a nona pragas, gafanhotos e escuridão, mas Faraó ainda se recusa a libertar os escravos israelitas. Deus disse a Moisés que a décima praga mataria todos os primogênitos egípcios. Um trecho, como um parêntesis, fala da celebração de Pessach para o futuro, inserindo a obrigação de contar aos filhos sobre como Deus libertou nossos antepassados de Mitsraim. Deus ordena que cada lar israelita abata um cordeiro e espalhe o sangue nas ombreiras das portas, a fim de proteger seus primogênitos. Após a morte dos primogênitos, Faraó exige que os israelitas partam.


Nesta parashá encontramos a fonte para os tefilin, para pidion haben, e para não comer fermentados em Pessach.


Durante o estudo de quinta-feira, uma pessoa me perguntou diretamente sobre a relação entre a punição aos egípcios e o fato de que a punição seria uma consequência do endurecimento do coração do Faraó por Deus. A pergunta é muito boa, e traz consequências teológicas profundas. Onde estava o livre arbítrio do Faraó? A punição de inocentes, como os filhos primogênitos dos cativos dos egípcios, justifica o fim, que seria provar o poder Divino? Qual é o Deus que acreditamos, o Deus que ama, é bondoso e é amado – ve ahavta et Adonai Eloeha – ou o Deus de braços fortes, que oprime e mata?


Lembro-me do meu primeiro encontro com o conceito de um Deus opressor. Meu professor de física, no Bialik (escola judaica em São Paulo, que já não existe), estava se tornando mais ortodoxo, e um dia chega na sala, e sem muito motivo fala para a turma: “É preciso temer a Deus, temer é ter medo. Por isto nós fazemos as mitsvót, porque temos medo de Deus.”


De acordo com a acadêmica Aviva Gottlieb Zornberg, pode-se dizer que há uma narrativa principal, em que Deus é bom, ama e é amado. No entanto há, dentro do texto bíblico, contra narrativas, que contradizem radicalmente a narrativa principal, onde encontramos um Deus disposto a matar crianças inocentes, acabar com povos inteiros, destruir cidades, recomeçar a humanidade. Ela mesma traz uma alternativa para lidar com a dissonância entre narrativa e contra narrativa, “o modelo do questionamento sem fim, em que a resposta não silencia totalmente o questionador”.


A própria parashá desta semana nos traz esta resposta, duas vezes, ao dizer: “Quando seus filhos perguntarem”[i] Questionar é parte importante do contar a história, que é o grande mandamento desta parashá.


Questionando, encontramos respostas para os mais difíceis incômodos que esta parashá pode nos trazer: por que crianças inocentes deveriam sofrer pelos pecados de seus pais? Por que deveria a escrava impotente sofrer junto com o todo-poderoso Faraó na matança do primogênito? Que sentido podemos entender dessa punição coletiva?


A educadora Adina Gerver traz uma possível resposta: “Em vez de visar injustamente os inocentes, podemos dizer que a punição coletiva nos ensina sobre nossa responsabilidade coletiva de libertar os oprimidos. Vistas por essa lente, as pragas apontam para um círculo mais amplo de responsabilidades além de um grupo nacional ou étnico: os egípcios nos escalões mais baixos da sociedade foram os responsáveis pelos erros cometidos pelos mais poderosos entre eles; ainda mais, eles foram considerados responsáveis pelo bem-estar da minoria em seu meio: os israelitas. Podemos derivar disso uma noção poderosa de responsabilidade coletiva que se estende de cada ser humano a todos os seres humanos.”


Esta é a lição que tiramos de Shifra e Pua, as parteiras egípcias que questionaram as ordens do Faraó, e não mataram os bebês israelitas quando nasciam. Em nosso passado recente, vimos pessoas serem salvas pelas mais simples e fragilizadas. Quantos judeus foram salvos durante a segunda guerra por vizinhos, fazendeiros, pessoas comuns que ajudaram a esconder fugitivos? Assim, podemos argumentar que os servos e cativos egípcios eram incapazes de impedir a escravidão dos israelitas, mas também podemos dizer que seu silêncio era condenatório. Sua punição é talvez uma mensagem para nós: calar-se diante da injustiça é estar implicado no próprio ato.


Assim como as mulheres desafiaram o Faraó, nós também, como leitores, devemos confrontar e desafiar aspectos preocupantes de nossas narrativas sagradas. E ao desafiarmos nossas escrituras, talvez, ao invés de focarmos no Deus que pune e deve ser temido, devamos focar no Deus que ama e protege. Então, as pragas tornam-se um convite à nossa ação. Não somente de diminuirmos a nossa alegria tirando gotas de vinho de nossos copos no seder de pessach, mas em ações reais. Do mais poderoso ao menos, cada um de nós tem um papel a cumprir. Em um mundo em que ninguém sofre por nada, somos todos, coletivamente, e cada um, individualmente, responsáveis por fazer o que pudermos para questionar, enxergar e impedir o sofrimento.


Shabat Shalom!




[i] Shemot 12:26 e 13:14

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