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Olimpíadas e Judaísmo

Desde o dia 21 de julho nossas rotinas mudaram, com o início dos jogos olímpicos de Tokio. Nos tornamos esportistas de sofá e somos, agora, especialistas em uma série de esportes, alguns dos quais nunca sequer ouvimos falar. Acompanhamos histórias de atletas que passaram a vida sonhando com este dia, outros que nunca pensaram que estariam em uma olimpíada praticando seu esporte de preferência.


Como judeus, também acompanhamos diversos fatos e momentos históricos. Entre eles, a delegação de atletas israelenses, composta por 89 atletas, 54 homens e 35 mulheres, em 15 esportes. Esta é a maior delegação do país até hoje e quase o dobro da que foi enviada para as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016. A alegria é tão grande, que há uma organização inteiramente dedicada a fornecer informações sobre atletas israelenses em inglês, chamada Follow Team Israel[i]. E já foi possível celebrar uma medalha, com a jovem Avishai Semberg no tae-kwon-do.


Por outro lado, modernamente, os jogos Olímpicos evocam memórias complicadas para os judeus e para Israel - em 1936 a ditadura nazista de Hitler camuflou seu caráter racista e militarista enquanto hospedava as Olimpíadas de Berlim, e em uma das maiores tragédias já ocorridas em uma competição esportiva internacional, terroristas palestinos mataram 11 membros da delegação israelense nas Olimpíadas de Munique em 1972. Aliás, outro momento histórico dos jogos em Tóquio, foi a homenagem a estes atletas na cerimônia de abertura, lembrando os quase 50 anos do atentado.


A relação do judaísmo com a prática desportiva é ambivalente. Os jogos competitivos nos tempos da Mishná e do Talmud, eram associados ao paganismo grego e romano, contra os quais o judaísmo travou suas maiores batalhas. Primeiro, porque esses espetáculos públicos sempre foram dedicados aos deuses e, como justamente lemos na parashá desta semana, Ekev, o culto a outros deuses é absolutamente proibido a nós judeus. O segundo motivo era que muitas apostas aconteciam nessas competições, o que não era permitido pela lei judaica.[ii] De todos os esportes recreativos e atléticos possíveis, apenas a natação é recomendada no Talmud. Na verdade, ensinar seu filho a nadar é considerado uma das obrigações dos pais.[iii]


Apesar de todas as restrições haláchicas, no curso da história, os judeus, influenciados pelo ambiente em que viviam, continuaram praticando diversos esportes, como se reflete em diversos registros na literatura judaica, desde Reish Lakish, grande sábio do Talmud, que foi gladiador. Por este motivo, encontramos em responsas (respostas rabínicas a questionamentos comunitários) que a caça, especialmente com cães, era proibida; andar a cavalo e correr foram mais ou menos permitidos; jogos com bola sãoum assunto controverso, acerca de quando eram ou não permitidos; e a luta livre parece ter sempre sido totalmente aprovada.[iv]


De acordo com nossos sábios, cuidar do corpo é uma mitzvá, chamada Shmirat haGuf. Como explica Maimônides: “manter um corpo são e saudável está entre os caminhos de Deus portanto, devemos evitar o que prejudica o corpo e nos acostumar com o que é útil e ajuda o corpo a se tornar mais forte.”[v]


Max Nordau, um dos fundadores do Congresso Sionista, acreditava que a fisicalidade, a musculatura e a mentalidade do corpo judeu precisavam ser "regeneradas". No Segundo Congresso Sionista de 1898, Nordau proclamou: “Devemos pensar mais uma vez em criar um Judaísmo de Músculos”. Ele imaginou um povo judeu fisicamente forte, capaz de se defender contra o anti-semitismo e de tornar realidade o objetivo sionista de um estado judeu.


Hoje em dia, um fenômeno midiático de nossos tempos acontece. A cada vez que um esportista judeu realiza algo em seu esporte, não importa o tamanho da conquista, a imprensa judaica está por toda a história, manifestando orgulho étnico e identidade. Imediatamente, em minha mente musical, escuto Bonnie Tyler cantando “I need a hero”.


Segundo a professora Kátia Rubio, do Departamento de Esportes da USP, que atualmente desenvolve pesquisa sobre os heróis olímpicos brasileiros, “o atleta assume a forma do arquétipo do Herói quando se perpetua ao longo do tempo”, permanecendo assim no imaginário das pessoas como um humano que supera os limites.


O esportista traz outra nuance ao herói, que é a possibilidade humana de atingir este status, trazendo consigo a referência de um povo, construindo o orgulho nacional. A lição vem na voz de Mariah Carrey[vi]


“E então um herói aparece

Com força para seguir em frente

E você deixa seus medos de lado

E você sabe que pode sobreviver

Então, quando você sentir que a esperança se foi

Olhe dentro de você e seja forte

E você finalmente verá a verdade

Que um herói está em você”


Que possamos em nossos momentos de falta de esperança, olhar para dentro e encontrar em nós mesmos a força de heróis e heroínas, para superar nossas dificuldades. Que possamos sentir muito orgulho pelas conquistas dos esportistas judeus, israelenses e brasileiros. Que possamos então nos inspirar com os jogos olímpicos para além do sofá, buscar uma prática esportiva que nos ajude a cuidar do corpo e da alma e entender que esta também é uma prática judaica.


Shabat Shalom.



[i] https://www.facebook.com/FollowTeamIsrael [ii] CURR 231-236 [iii] Kiddushin 29a [iv] CURR 231-236 [v] Hilkhot Deot 4: 1 [vi] https://www.musixmatch.com/pt-br/letras/Mariah-Carey/Hero

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