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O que vocês estão fazendo?

Pare. Respire. Pense um pouco antes de responder.


Por que você está jejuando hoje? E se você não pode jejuar, por que estaria? Por que você bate no peito ao recitar o Vidui, se curva em Malchuiot? Qual é o seu real motivo?


Se sua resposta foi que é assim que se faz, sempre foi assim, a halachá manda assim, esta não é uma resposta válida. Não há maior constância no judaísmo do que o questionamento e a ressignificação. Esta é uma das lições que tiramos das leituras estabelecidas pelos nossos sábios para Iom Kipur.


No trecho lido da Torá em Iom Kipur, somos apresentados a um ritual detalhado de oferendas que devem ser feitas por Aharon para purificação do Tabernáculo e expiação dos pecados dele e do povo de Israel, rituais de Iom Kipur. Em especial, conhecemos o ritual de Azazel, em que dois cabritos são apresentados a Aharon, um dos cabritos seria designado 'para Deus' e o outro 'para Azazel'. Aharon colocava suas mãos sobre a cabeça do cabrito designado 'para Azazel', confessava os pecados de toda a congregação, e então o cabrito era lançado ao deserto como expiação pelos pecados de Israel.


No entanto, a haftará grita para um comportamento completamente diferente. Isaías, nos traz o questionamento Divino: “Esse é o jejum que escolhi? O dia quando o homem aflige sua alma?”


Keva é o nome que utilizamos para a forma que fazemos as coisas. Em realidade é o aspecto mais fácil de se relacionar com nossos rituais. Jejuamos, batemos a mão no peito, rezamos todas as orações que os sábios estabeleceram. Esta é a keva. Deus nos pergunta: Por que você faz tudo isso?


Kavaná é a intenção por trás do ato, é o real motivo pelo qual rezamos, jejuamos, seguimos os preceitos religiosos. É mais difícil, exige estudo, pensamento, decisão. “Este é o jejum que escolhi: romper as cadeias da iniquidade, desatar os grilhões da opressão, enviar o oprimido para a liberdade e quebrar todo o jugo”, responde Isaías. Deus está nos dizendo que atos vazios de intenção não são atos completos, são cascas vazias, carentes de uma real ação.


AJA! Agir é educar, é criar sistemas de melhora da condição social da nossa população, é buscar líderes que realmente queiram promover mudanças. Agir é fazer a sua parte. É usar máscara, álcool gel, se proteger para não contaminar os outros. É distribuir quentinhas para a população de rua, como fazemos aqui na ARI. “Compartilha teu pão com o faminto, abriga em tua casa os pobres errantes, cobre o nu quando o vires e não ignores o teu próximo” exclama Isaías.


Conta um midrash que “Um homem sobe para o céu no final de sua vida. Ele fica diante do trono de Deus. O homem olha para Deus e diz: “Sabe, estou muito zangado com Você! O mundo que você criou está cheio de sofrimento, feiura e destruição. Por que você não faz algo para consertar a bagunça do mundo?” Deus olha para o homem e, com uma voz gentil, diz: "Eu fiz algo. Eu te enviei."


Hoje, nos colocamos aqui, com corpo e alma fragilizados, diante de Deus. Não importa se rezamos todas as tefilot estabelecidas pelos sábios do passado, quantas vezes batemos no peito ou qual foi a melodia escolhida. Tudo isto é keva, é forma, e sua função deveria ser nos levar à kavaná. O que nós fizemos neste ano que passou para tornar nosso mundo melhor? Qual foi o nosso papel neste mundo, qual é o impacto que cada um de nós gerou?


A rabina Sharon Brous conclama: “Quando você vive sob um regime insensível ao sofrimento humano, você faz tudo o que está ao seu alcance para frustrar decretos, destruir ídolos e quebrar rodas. Nossa rebelião não é violenta, porque nossa sagrada obrigação é salvar vidas, não as ameaçar. Quando o poder entrincheirado busca negar a dignidade, é nossa responsabilidade nos levantar e afirmar a santidade de todos os filhos de Deus. Como Shifra, Puah e Batya, somos chamados a fazer tudo o que pudermos para impedir o avanço de um império do mal, protegendo em primeiro lugar as vidas e a humanidade dos mais vulneráveis.”


A fonte primária do mal sempre pode ser encontrada olhando para dentro. A necessidade de começar por nós mesmos, de olhar para dentro para encontrar a causa do mal em nosso meio, não mudou. Rabbi Mordecai Kaplan disse que o significado do ritual de Azazel era se livrar do mal antes de tentar fazer o bem. Não precisamos de Azazel ou de ofertas queimadas em nossos dias, mas precisamos de Iom Kipur. Precisamos de um dia no ano para nos afligir e consertar nossos os caminhos, aproximando-nos de Deus com determinação para melhorar, mas esta prática não deve ser limitada a um único dia especial de julgamento.


Todos os dias somos apresentados com a oportunidade renovada de começar novamente. Recebemos nossa alma pura, tehora hi, reconhecemos nossas bênçãos e partimos para um novo dia de possibilidades. No Shabat somos convidados a parar e refletir sobre a semana que tivemos, agradecemos nossas bênçãos, nos aproximamos do que há de mais sagrado em nossas vidas, sonhamos e então, renovados, recomeçamos. Iom Kipur é Shabat Shabaton, a oportunidade de fazer esta parada profunda e significativa, dolorosa e aflitiva, de rever todo o nosso ano.


“Nossa tradição insiste que em um mundo de tantas incertezas, com tanto em jogo e tanto desconhecido, devemos agir de qualquer maneira. Nós marchamos. Nós escrevemos. Lutamos com tudo o que temos, mesmo sem nenhuma garantia razoável de sucesso, com fé em um futuro desconhecido. Porque não há garantias - nunca. É apenas quando damos um passo à frente que surge a possibilidade de transformação.”[i] Iom Kipur é o chamado para iniciar esta transformação dentro de cada um de nós. Buscar sentido para nossos atos, para nossa reza, para nossa devoção. Buscar a nossa kavaná. Para assumir a nossa responsabilidade e melhorarmos enquanto seres humanos.


“A noite é mais escura imediatamente antes do amanhecer. Antes de o sol se pôr ao anoitecer, observamos o sol assumindo uma cor avermelhada em preparação para o anoitecer e a noite; o mesmo processo acontece ao contrário antes do nascer do sol.”[ii]


Iom Kipur é este momento de maior escuridão, é um chamado para ação. É um chamado para que nos livremos da carga dos assuntos pendentes do passado, das ações incompletas, daquilo que nos faz mal. Uma vez liberados desta carga, nos conectamos com nossa responsabilidade sagrada de agir, de construir.


Teshuvá, Tefilá e Tsedaká desviam o mal da sentença. Precisamos da reza, do ritual, da introspecção, da keva; mas para que o processo renovador de Iom Kipur esteja completo é preciso agirmos, é necessário que mudemos o nosso comportamento para melhor, ser tsedek, promover a justiça.


Que possamos ter a profundidade necessária neste Iom Kipur para nos abrirmos, nos visitarmos, olharmos nossos propósitos com verdade. Que possamos sair deste dia intenso de orações melhores, renovados para sermos melhores deste, até o próximo Iom Kipur. Que sejamos inscritos e confirmados no livro da vida, da justiça, da verdade, da ação.


Hoje Deus está nos perguntando: “O que vocês estão realmente fazendo?”


Qual será nossa resposta?


[i] Sharon Brous [ii] Shenei Luchot haBrit, Torah Shebikhtav, Teruma Torah Ohr 23

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