Sinto falta dos almoços de domingo na casa da minha avó. Eu costumava ir visitá-la quinzenalmente e encontrar o lado paterno da família. Não éramos muito próximos, mas era nessa hora que nos sentávamos juntos, em volta da mesa, e conversávamos. Depois do almoço, pouco antes de voltarmos para casa e começarmos a semana, ela chamava cada neto e nos abençoava. Ainda me lembro da energia que sentia percorrendo meu corpo enquanto ela me abençoava. Depois de tantos anos, ainda posso sentir sua bênção em mim.
Uma bênção pode ser dada por alguém a outra pessoa, como fazia a minha avó, mas também pode ser o reconhecimento de algo especial, uma expressão de gratidão ou um desejo. As bênçãos vêm em diferentes formas para nossas vidas.
Rabino Meir, marido de Bruria, e um sábio talmúdico da terra de Israel, costumava ensinar que uma pessoa deve recitar cem bênçãos todos os dias[i]. Com base neste ensinamento, a tradição judaica desenvolveu uma infinidade de bênçãos que podem ser recitadas em diferentes ocasiões durante o dia. Desde aquelas que expressam gratidão pela vida, saúde, alma, inteligência, até outras menos conhecidas como a bênção ao encontrar um sábio, ao avistar um arco-íris ou ao cheirar uma flor perfumada.
Não é difícil encontrar razões simples (e mais complexas) para bênçãos no nosso dia a dia: é primavera – ruas e parques estão coloridos com flores diferentes; o tempo está lindo hoje; esta é minha terceira semana aqui na ‘The Ark’ este mês! Somos gratos pelos amigos, pela vida de quem fez parte de nossas vidas.
A rabina Dra. Dalia Marx[ii] ensina que as bênçãos proporcionam à pessoa que as recita uma sensação de controle que acompanha a pessoa até que ela alcance um lugar de estabilidade e segurança. Principalmente aquelas formuladas segundo a regra litúrgica de agradecer pelo passado e clamar pelo futuro.
Os benefícios que recitar bênçãos ou praticar a gratidão podem trazer ao nosso bem-estar mental, emocional e até físico são comprovados por estudos científicos. Há evidências que sugerem que ser grato e expressar gratidão pode levar a uma melhor qualidade do sono, reduzir o estresse, fortalecer o sistema imunológico, melhorar a pressão arterial e até reduzir a inflamação. Dizer bênçãos tem sido associado à redução dos sintomas de depressão e ansiedade. Concentrar-se nos aspectos positivos da vida e reconhecer as coisas pelas quais somos gratos pode ajudar a afastar a mentalidade da negatividade, aumentando os sentimentos de felicidade e satisfação com a vida e melhorando o bem-estar mental geral. “Contar suas bênçãos” pode melhorar a saúde e ajudar a enfrentar os desafios.
Desde o início dos meus estudos rabínicos, há 6 anos, adotei duas práticas judaicas de mindfulness, que compartilho nas minhas contas nas redes sociais: a contagem do Omer e as meditações para o mês de Elul. Este ano, como parte da minha prática pessoal durante este período do Omer, tenho contado bênçãos. Tenho revisitado bênçãos que conheço, descoberto outras que não conhecia e reescrevendo elas. Todos os dias escolho uma bênção e reflito sobre ela e seu impacto em minha vida. E neste caminho de contar os dias e conectá-los às bênçãos judaicas tradicionais, estou me conectando comigo mesma de uma forma consciente. Estou preparando meu corpo e alma de Pessach a Shavuot, da liberdade à Torá.
Ao procurar orações desconhecidas e conhecidas me conecto com o passado, com a tradição judaica. Ao reescrevê-las, posso fazer as alterações necessárias para dizer exatamente o que preciso. Por exemplo, as orações que escrevo são todas para uma Deusa, no feminino. Além disso, adapto o texto original para outros semelhantes que reflitam meus valores e pensamentos.
Embora as orações sejam geralmente orientadas para Deus: agradecemos a Deus pelo passado, reconhecemos Deus pelo presente, pedimos a Deus pelo futuro; você já olhou para trás e agradeceu ao seu antigo eu pelas escolhas que fez? “Seja agradecendo ao seu passado por uma decisão sábia, um movimento corajoso, fazendo o que você tinha que fazer para sobreviver a um momento difícil? Apreciar o que você fez no passado é uma forma poderosa de integrar suas experiências passadas e aumentar sua autoestima.”[iii] Você já pensou em se abençoar, olhar para trás e reconhecer suas decisões, se ver hoje e desejar o seu futuro?
A ciência prova que o Rabino Meir estava certo, que deveríamos ver a vida com lentes diferentes, contando nossas diversas bênçãos durante o dia. Minha avó também tinha razão: deveríamos espalhar bênçãos ao nosso redor, principalmente para aqueles que amamos. Devemos também lembrar de nos abençoar, agradecer e reconhecer quem somos e o que fazemos. Por tudo isso, precisamos de bênçãos que reflitam quem somos e o que realmente queremos dizer. Precisamos escrever e ser nossas próprias bênçãos, para que possamos ser e dar bênçãos aos outros.
Que possamos reconhecer e dizer bênçãos. Que possamos ser quem somos e que sejamos abençoados em tudo o que somos.[iv]
Shabat Shalom
[i] TB Menachot 43b
[ii] Marx , Dalia . “The Morning Ritual (Birkhot Hashahar) in the Talmud: The Reconstitution of One’s Body and Personal Identity through the Blessings.” Www.academia.edu, vol. LXXVII, 2006, www.academia.edu/4877753/The_Morning_Ritual_Birkhot_Hashahar_in_the_Talmud_The_Reconstitution_of_One_s_Body_and_Personal_Identity_through_the_Blessings. Accessed 29 May 2024.
[iii] Debbie Danon
[iv] Blessing for Children by Marcia Falk
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