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Foto do escritorAndrea Kulikovsky

Não podemos ficar indiferentes!

Atualizado: 21 de ago. de 2021

Ki tetsê lamilchama – quando você sair para a guerra. Estas são as primeiras palavras da parashá desta semana. E então, imagens do Afeganistão invadem a mente. Não é preciso continuar a leitura. Desespero, pobreza, opressão. Passamos a semana inundados por cenas terríveis de homens armados, população oprimida, mulheres sofrendo todo tipo de violência. Vimos inúmeras manifestações nas mídias sociais, mas estamos sob uma sensação de impotência avassaladora.


Mais ainda, se formos tentar buscar alento na Torá, porque o texto da parashá subordina repetidamente os interesses das mulheres aos dos seus pais e maridos, como leremos amanhã em Ki Tetsê: se uma mulher não for virgem ao se casar, ela será apedrejada até a morte na porta de seu pai[i]; uma virgem que é estuprada deve ser forçada a se casar com seu estuprador[ii]; uma esposa que deixa de agradar ao marido pode receber uma carta de divórcio[iii]; uma mulher que fica viúva antes de ter filhos deve se casar com o irmão de seu marido[iv].


Quando você sair à guerra e pegar uma mulher cativa, e a desejar e quiser casar-se com ela, a levará para sua casa, ela deve aparar cabelos e unhas, ficar um mês de luto por sua família, e então ela será sua esposa, ou você a libertará caso já não a queira mais. Diversas vezes esta parashá fala da mulher, mas como objeto, sujeita às vontades daqueles que são o público-alvo deste texto: os homens, guerreiros israelitas. A Torá é um texto de seu tempo, o perigo reside no extremismo da leitura literal. Mas não é possível negar a dor que estas palavras geram em nós, mulheres.


Um querido amigo uma vez me perguntou: “Mas você tem que falar sempre das mulheres?”. Nem sempre, é verdade. Mas hoje eu preciso, e o motivo está na Torá. Ao final de um parágrafo inteiro sobre a obrigação de proteger e devolver ao seu dono o animal que se perde, encontramos o mandamento: לֹ֥א תוּכַ֖ל לְהִתְעַלֵּֽם Lo tuchal lehit’alem – você não pode ficar indiferente.[v]


Se as imagens do Afeganistão nos chocam, os maus tratos às mulheres nos enojam e nos sentimos impotentes diante da situação daquele país, podemos então nos armar desta revolta para enxergarmos o que está acontecendo no mundo. Nos Estados Unidos cada vez mais encontramos nas ruas mulheres cobertas por burcas. Elas não são imigrantes, são americanas cujas famílias estão se convertendo ao islamismo, e então começam a cobrir e apagar suas mulheres. Em Israel, em regiões ultra ortodoxas, podemos ver mulheres judias usando burcas; elas não são pretas, são marrons, igualmente feias, com o mesmo propósito de apagá-las. Não falamos das mulheres que são apagadas de fotos para publicações em jornais e revistas, deixamos sinais públicos serem vandalizados para apagar mulheres e seus nomes! O extremismo religioso, não importa de qual religião, é perigoso às mulheres.


Mas estamos no Brasil, e aqui tudo é diferente. Aqui somos mais discretos, a opressão vem com um sorriso no rosto, com um discurso lógico que a acompanha. Aqui o assédio não é socialmente aceito, é o que gostamos de acreditar. Mas também aqui somos sistematicamente caladas, excluídas, oprimidas, por sermos mulheres, por não nos deixarmos calar, por não nos deixarmos assediar. Uma mulher, quando ocupa um lugar de destaque ou de poder, é alvo de ataques. Aqui sim, podemos fazer a diferença, podemos nos levantar e nos opor a cada vez que percebermos que um homem decidiu calar uma mulher, afastá-la de seu trabalho, impedir seu desenvolvimento. Podemos ter mais sensibilidade para compreender quando um homem se sente incomodado pelo protagonismo de uma mulher, simplesmente por ela ser mulher, para então agirmos. Precisamos estar atentos a diversos outros tipos de opressão, denunciá-las e combatê-las, não importa quem seja o agente e quem seja a vítima. לֹ֥א תוּכַ֖ל לְהִתְעַלֵּֽם Lo tuchal lehit’alem – você não pode ficar indiferente.[vi]


No texto bíblico somos diversas vezes chamados a defender o oprimido. Fomos escravos em Mitsraim, estivemos no estreito, fomos ao deserto, conquistamos uma terra. De nosso lugar de conforto é preciso localizar a opressão e combatê-la.


לֹ֥א תוּכַ֖ל לְהִתְעַלֵּֽם

Lo tuchal lehit’alem – você não pode ficar indiferente.[vii]








[i] Devarim 22:13-21 [ii] Devarim 22:28-29 [iii] Devarim 24:1-4 [iv] Devarim 25:5-10 [v] Devarim 22:3 [vi] Devarim 22:3 [vii] Devarim 22:3

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