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Foto do escritorAndrea Kulikovsky

Meu próprio Santuário


וְעָשׂוּ לִי מִקְדָּשׁ וְשָׁכַנְתִּי בְּתוֹכָם.

וַאֲנַחְנוּ נְבָרֵךְ יָהּ מֵעַתָּה וְעַד עוֹלָם

“Ve'asu li mikdash veshachanti betocham.

Va'anachnu nevarech yah me'atah ve'ad olam.

Lord prepare me, to be a sanctuary,

pure and holy tried and true

With thanksgiving I’ll be a living Sanctuary for You.”


A parashá desta semana fala: “E isto servirá para você como um símbolo em sua mão e como uma lembrança entre seus olhos, para que os ensinamentos de Deus possam estar em sua boca”[i] e ao final repete, de forma ligeiramente diferente: “E assim será como um sinal em sua mão e como um símbolo entre seus olhos, que com uma mão poderosa Adonai nos libertou do Egito.”


No minián de quinta-feira surgiu o assunto acerca dos tefilin, cujo mandamento é extraído justamente destas passagens, e o assunto ficou em minha cabeça.


Sempre me intrigou que uma frase tão bonita possa ter dado ensejo a um apetrecho tão sem graça e beleza. Muita imaginação e pouco senso de estética devem ter guiado nossos sábios para desenvolver este projeto!


Maimônides explica que: “[O versículo está] dizendo que você deve fazer acerca da saída do Egito em seu braço um sinal e entre seus olhos uma palavra, para que pingue como orvalho sobre seus ouvintes.” O gotejar é aquele movimento lento e incessante, que umedece o solo, que cuidadosamente e delicadamente escorre e espalha. Seria então uma lembrança infinita, mas discreta, dos ensinamentos Divinos que se espalham para os braços, que executam nossas ações.


Sobre os tefilin especificamente, Rambam adiciona: “E eis que o princípio deste mandamento é que coloquemos sobre nosso braço e cabeça a palavra escrita de deixar o Egito, correspondendo ao coração e à cabeça que são as moradas do pensamento.” Indicando que nossas ações, baseadas no gotejar dos ensinamentos da Torá não devem ser automáticas, mas guiadas pelo pensamento, pela consciência. Pensamentos, palavras e ações conectadas.


Tefilin é uma mitsvá do corpo e sua santidade requer extremo cuidado. O corpo deve ser mantido limpo e saudável, a mente pura e o usuário também não deve esquecer que os está vestindo – não que seja algo tão confortável que é possível esquecer. Ao enrolar os tefilin no braço, colocá-lo na cabeça, enquanto recitamos as brachot, nos tornamos sagrados, lembramo-nos de que nosso corpo é o santuário onde reside nossa alma, o sopro divino da criação.


O rabino ortodoxo americano Yerachmiel Fried explica que “o tefilin do braço afeta nossas ações e nossos corações, o da cabeça eleva nossos pensamentos, todos em direção à nossa crença na Unicidade de Deus, e que nossos pensamentos, emoções e ações devem refletir essa crença.” Mas que, a colocação dos tefilin é um ato de amor, é a lembrança diária do amor divino expressado em Jeremias: “Eu te amei com um mundo infinito de amor”[ii]


“Na verdade,” continua o rabino Fried, “os versos que recitamos enquanto enrolamos a tira de tefilin em nossos dedos são declarações de amor, refletindo o amor de Deus por nós e nosso amarrar esse amor em nossos dedos, como um anel; ‘Eu me casarei com você para sempre e me casarei com você com retidão, justiça, bondade e misericórdia. Eu me casarei com você com fidelidade e você conhecerá a Deus’[iii].”


E quanto às mulheres? A halachá, lei judaica, diz que colocar Tefilin é uma mitsvá positiva limitada no tempo. Com várias explicações, os chachamim (sábios) nos ensinam que as mulheres são patur (isentas), mas têm permissão para cumprir as mitzvot desta categoria. “Houve casos de mulheres que usavam tefilin na história judaica,” diz a teóloga Rachel Adler. “As filhas do famoso comentarista bíblico Rashi, e Michal, filha do rei Saul, o fizeram – de acordo com o Talmud. Mas esse igualitarismo saiu de moda.” São as influências no meio no judaísmo. No entanto, hoje somos mulheres inseridas em sociedades que se dizem igualitárias.


Quando questionado sobre se colocava tefilin, o filósofo judeu alemão Franz Rosenzweig respondeu: “Ainda não”, sugerindo que há uma diferença entre ouvir o chamado de uma mitsvá e estar pronto para respondê-la afirmativamente.[iv] Esta opção, baseada no estudo das mitsvót, do texto bíblico, e dos comentários e decisões haláchicas desenvolvidos desde então é a mais pura representação do judaísmo reformista.


Estudar a Torá - em seu sentido mais amplo - é encontrar as mitsvót, as obrigações sagradas que Deus pediu que nosso povo assumisse. Ao assumir qualquer uma das obrigações sagradas, as mitsvót, trazemos para nossas vidas um pouco da kedushá, a santidade que estava presente no Sinai quando Deus nos pediu para cumprir aquela mitsvót. Não é preciso colocar, fisicamente os tefilin, mas é preciso sim, gotejar, de alguma forma, os ensinamentos que fazem de nós, judeus, um povo.


Que possamos gotejar kedushá entre nossos olhos, em nossas mentes. Que o líquido sagrado do estudo gere racionalmente e emocionalmente algo dentro de nós, e traga a intenção religiosa em nossos atos. Que nossas mãos e bocas, regados por este orvalho possam emanar judaísmo. E assim, sejamos, cada um de nós dignos da centelha divina que reside dentro de nós. Sejamos nosso próprio Mikdash.


[i] Shemot 13:9 [ii] Jeremias 31: 3 [iii] Salmos 145: 16 [iv] https://www.ccarnet.org/rabbinic-voice/platforms/article-commentary-principles-reform-judaism/

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