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Memória e Renovação

Eu me lembro de quando eu era pequena, sentada ao lado do meu Opa, meu avô, durante os serviços do Cabalat Shabat na minha sinagoga, me sentindo segura e amada. Eu não sabia o que era um espaço sagrado, mas a cadeira da primeira fila, do lado dos homens na sinagoga, era o nosso espaço sagrado. Eu era feliz lá. Ali o Judaísmo foi plantado em meu coração.

 

Meu avô era o Diretor de Culto da sinagoga, o “Gabai haGadol”. Ele carregou um dos rolos da Torá para o novo prédio da sinagoga, escrevia prédicas quando o rabino não estava lá, coordenava aliót e outras mitsvót durante o serviço religioso, e eu tinha muito orgulho de ser sua menina. Ele nunca nos contou muito sobre sua vida na Alemanha, mas eu sabia que ele queria ser rabino, mas nunca teve oportunidade de estudar. Seu irmão era rabino e mudou-se para os Estados Unidos antes da guerra. Meu Opa foi salvo junto com sua mãe e irmã pelo Rabino Dr. Fritz Pinkuss, um rabino alemão que estudou com seu irmão e morava no Brasil[i]. Veio para Londres, lugar que aprendeu a amar, e depois para o Brasil.

 

Morando em Londres, de alguma forma me reconectei com o legado do meu avô. Minha presença também o trouxe de volta ao lugar que ele amava e ao caminho que ele sonhou. Quinta-feira foi seu yahrzeit[ii] de 40 anos, mas ele ainda está muito vivo em meus pensamentos e em meu coração. Eu sinto muita falta dele!

 

Na semana passada começamos um novo livro, Vaykra, cheio de oferendas, sacrifícios e alguns textos difíceis que nos desafiam. A sidrá desta semana inclui uma segunda leitura da Torá, Pará Adumá, sobre a vaca vermelha, sacrificada para limpar os sacerdotes da impureza da morte. Como comunidade, começamos a nossa jornada para Pessach, para a liberdade.

 

Na parashá desta semana, Tzav, lemos sobre a ordenação de Aharon e seus filhos. Na próxima semana leremos sobre a morte dos filhos de Aharon. No momento em que Deus enche as mãos de Aharon com abundância, nomeando-o como sumo sacerdote e seus descendentes como sacerdócio eterno, seus dois filhos mais velhos morrem quando tentam oferecer incenso com uma chama trazida de fora do santuário recém-dedicado – uma oferta estranha, não ordenada. O professor Marcus Mordecai Schwartz[iii] sugere que “todo o poder, especialmente o poder religioso, pode ser esmagador e perigoso, e precisa de ser contido para poder ser utilizado com segurança para a melhoria do mundo”.

 

A reação de Aharon é o silêncio. Um silêncio doloroso e sombrio.

 

“Se a morte é destrutiva, o ritual nos une e oferece esperança de restauração.” Ensina a rabina Mychal Springer. A sidrá adicional lida durante este Shabat, “a Pará Adumá, deixa claro que o contato com os mortos perturba nossa capacidade de funcionar e que devemos nos envolver em um ritual para sermos restaurados na sociedade e no relacionamento adequado com Deus”[iv].

 

Poder e morte, dois extremos de eventos que mudam vidas e que precisam de uma cerimônia, um ritual para separar o mundano e o sagrado, o impuro e o puro. Mas depois do ritual, um novo começo e um novo caminho se abrem diante de nós. A vida é renovada.

 

“Este Shabat também é Shabat Mevarekhim Hahodesh, o Shabat no qual dizemos a bênção para o próximo mês (agora o mês de Nisan), que começa na próxima semana. Rezamos para que nossas vidas sejam renovadas. De certa forma, o novo mês lembra-nos a todos de nos concentrarmos na possibilidade de um novo coração e um novo espírito. O anúncio da lua nova ajuda-nos a reconhecer os espaços liminares em que vivemos, despertando-nos de qualquer complacência, e ajuda a despertar o nosso anseio por um coração renovado. A prece nos lembra de pedir essa renovação, de saber que ela sempre é possível”.

 

A renovação vem acompanhada das experiências de toda a nossa vida. Trazemos nossos entes queridos e as lições que eles deixaram em nossas almas. Aharon trouxe a dor de perder os seus filhos, a consciência da sua responsabilidade no seu papel de Sumo Sacerdote. Cada um dos meus amigos, que serão ordenados em breve, traz consigo suas próprias perdas, lições e alegrias para este novo momento de suas vidas. Eu trago comigo o legado do meu avô.

 

Uma vez, quando eu era pequena, voltando da sinagoga, meu avô me disse: “Tem uma rabina nos Estados Unidos!”. Não me lembro do resto da conversa. No entanto, essa memória me garante que onde quer que ele esteja, suas mãos estão sobre minha cabeça e eu estou sendo consagrada a cada dia em meu caminho para me tornar uma rabina.

 

Que nós possamos viver os sonhos e manter vivos os ensinamentos e as memórias dos nossos entes queridos em tudo o que fazemos.

 

Shabat Shalom.

 

 


[i] Um livro sobre ele será lançado brevemente na Congregação Israelita Paulista - CIP

[ii] Aniversário de morte

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