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Malachim

Neste Shabat acabamos juntos o livro de Bereshit. A saga da criação humana, do desenvolvimento da família que é a semente do povo judeu. Um livro de histórias humanas, de acertos e erros, alegrias e provações. Nesta última parashá, Vaiechi, aprendemos com o patriarca Iaacov que, quando passamos por momentos de dor e perseveramos, queremos que nossas bênçãos se estendam a outras pessoas. Este é um momento sagrado que capta o que significa ser humano e cuidar dos outros.


Eu buscava inspiração para escrever quando meu cabelereiro, todo feliz, veio me contar: “Estou abrindo uma ONG para ajudar a tirar jovens da rua, ensinando para eles a minha profissão!”. A alegria dele era tão contagiante que imediatamente comecei a pensar em como eu mesma poderia ajudá-lo nesta empreitada. O João é um homem bom, que cuidou do meu pai após o primeiro AVC: ia fazer a barba e cortar o cabelo dele na casa de recuperação. Durante a pandemia foi minha vez de ajudar o João, que quase foi à falência quando ninguém ia lá no salão fazer as unhas e os cabelos. Hoje, um João radiante reconhece as bênçãos que recebeu, e devolve da maneira mais linda à sociedade.


Na língua hebraica, a palavra mais próxima de filantropia é tsedacá. Tsedacá é uma forma de justiça social. Muito mais do que uma transação financeira, a tsedacá constrói relacionamentos de confiança e inclui contribuições de tempo, esforço e percepção.


A tsedacá se faz de duas formas: com a mão e com o coração. O Judaísmo ensina que os doadores se beneficiam da tsedacá tanto ou mais do que quem a recebe. Enquanto quem necessita recebe ajuda, o doador recebe o mérito de compartilhar suas bênçãos. A tsedacá envolve dar assistência com a mão e consolo com a boca para que o coração aqueça. O doador deve dar com uma expressão agradável e de coração cheio, como ensina Maimônides: “quem dá tsedacá aos pobres com uma expressão azeda e de maneira rude, mesmo que dê mil moedas de ouro, perde seu mérito. Em vez disso, deve-se dar com alegria e prazer.”


Quando passamos por dificuldades e sobrevivemos, podemos entender nossas provações como oportunidades de mudança. Para Iaacov, a sobrevivência da família, que ele reconhece em seu leito de morte, abençoando seus netos para que sejam multidões abundantes, espalhando seu legado no mundo. Para o João, é o reconhecimento de que, através de sua profissão ele pode dar e também receber, e através dela, com muita alegria, ele resolveu salvar jovens de um futuro obscuro.


Na parashá desta semana, Iaacov reconhece cada um de seus filhos e suas características especiais, qualidades e defeitos, e para cada um tem uma predição específica. Não são bênçãos ou maldições, mas indicativos de que Iaacov conhecia a fundo cada um de seus filhos, e que assim os amava. Minha avó, alemã e objetiva, fazia da mesma forma: esta é avoada, ele é prestativo, você é boa mãe. Ela que me ensinou que amar verdadeiramente não é não enxergar defeitos, mas reconhecê-los e amar apesar deles.


É o avô Iaacov que abençoa seus netos, como se filhos fossem: “HaMalach - O anjo que me redimiu de todo mal abençoe os rapazes, e que meu nome seja lembrado através deles.”[i]. Iaacov, que não teve uma vida fácil, em muitos passos de sua jornada, teve ao seu lado um anjo. O comentarista medieval francês Rashi esclarece para nós que o anjo a que Iaacov se refere era geralmente enviado a ele quando ele se encontrava em apuros.


Já o comentarista italiano Sforno[ii] do século 16 interpreta a palavra haMalach, o anjo, como não identificando um anjo específico, mas sim como um apelo a todos Anjos da guarda de Iaacov, para que eles também cuidem de seus netos. Sforno entende os anjos como seres sobrenaturais, mas este apelo também pode ser estendido aos humanos. Podemos nos esforçar para agir como anjos, reparar a desigualdade e trazer a bondade ao nosso mundo. Ativistas, profissionais de saúde, filantropos e educadores, todos atuam como anjos para salvar a vida de outros humanos. Pessoas comuns, como o João, nos ensinam que não é preciso muito para ajudar ao outro, e que isto faz muito bem aos nossos corações.


Nossas bênçãos podem nos motivar a nos tornarmos agentes de mudança. Ao abençoarmos nossos filhos às sextas-feiras, como os netos de Iaacov, Efraim e Menashe, transferimos a eles a proteção dos anjos e a responsabilidade de serem estes agentes de mudança, distribuidores de bênçãos. A bênção de Iaacov para Efraim e Menashe torna-se um compromisso, para seus anjos da guarda e para todos nós, seus descendentes, e nossos descendentes.


Que saibamos enxergar as pessoas como elas são, e amá-las em sua totalidade. Que possamos reconhecer os anjos em nossas vidas e buscar compartilhar as bênçãos que recebemos, sem limites. Que nossos momentos de fragilidade nos transformem e aprofundem nosso compromisso de trazer maior igualdade em nosso mundo. Sejamos malachim.


Chazak, Chazak veNitchazek – Força, Força e seremos fortalecidos!


Shabat Shalom.

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