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Luz e Igualdade

“Moisés não estava ciente de que a pele de seu rosto estava radiante, uma vez que ele falara com Deus”. A parashá desta semana, Ki Tissá, termina com uma das mais lindas imagens da Torá: O texto continua contando que a cada encontro, Moshé novamente resplandecia, tanto que precisava cobrir seu rosto com um véu. De acordo com Rashi, comentarista francês do século XI, Moshé emanava raios de luz, que foram colocados por Deus em sua cabeça, ao assegurar: “eu te protegerei com Minha mão”.


Tradicionalmente no judaísmo nós, mulheres, fomos colocadas em um lugar afastado das práticas rituais. As construções societárias de épocas antigas colocaram as mulheres dentro das casas, cuidando dos filhos, e, portanto, afastadas da vida sinagogal. Ao final do século XIX e início do século XX, emergindo de um ambiente de industrialismo urbano e política liberal e socialista, surge o movimento feminista. Seu objetivo era abrir oportunidades para as mulheres, com discussões sobre o voto e a participação das mulheres na política. Inspirado por este movimento e pelas primeiras feministas, o rabino lituano/americano Mordecai Kaplan, fundador do movimento Reconstrucionista, pediu que sua filha Judith fosse a primeira menina a fazer uma cerimônia de Bat Mitsvá. Kaplan queria criar um novo ritual dentro da comunidade judaica que ajudaria a promover a igualdade de gênero. A cerimônia de Bat Mitsvá de Judith Kaplan aconteceu em 18 de março de 1922, há exatos 100 anos. O Bat Mitsvá continua, até hoje, sendo uma luz que dissipa a escuridão para as meninas que antes não podiam estudar e ler a Torá.


À medida que um número crescente de meninas subia à bimá, as mulheres judias começaram a esperar - e exigir - acesso a outras participações rituais e de liderança nas sinagogas. O bat mitsvá foi um disparador para expandir a participação de todas as mulheres na vida judaica. Assim, surgiram educadoras, cantoras litúrgicas, líderes de reza, o que culminou na ordenação das primeiras rabinas, mais dois raios divinos em busca de uma vida judaica mais igualitária: Regina Jonas em 1935, que foi ordenada em uma cerimônia secreta na Alemanha, e Sally Priesand, ordenada pela Hebrew Union College há exatos 50 anos, em 03 de junho de 1972 nos EUA. A ordenação de mulheres, há apenas 50 anos atrás, adiciona a luz que as mentes e os corações das mulheres acrescentaram à comunidade judaica.


O movimento feminista está em constante mudança. Agora sentimos o feminismo saindo da academia e voltando para o domínio do discurso público. Atualmente falamos em termos de interseccionalidade em que a supressão das mulheres só pode ser totalmente compreendida em um contexto de marginalização de outros grupos e gêneros – o feminismo é parte de uma consciência maior de opressão junto com racismo, preconceito de idade, classismo, orientação sexual e pessoas com deficiência. Da mesma forma, a inclusão de mulheres nos diversos espaços de nossa comunidade gerou outras discussões e decisões acerca da inclusão de tantas outras pessoas de nossa comunidade.


A rabina Lauren Tuchman é a primeira pessoa cega que é ordenada rabina (ou rabino). Ela carrega múltiplas identidades, como judia feminista deficiente. Em uma recente palestra que ouvi, ela contou sobre a primeira vez que colocou tefilin. Ela já havia tentado uma vez em sua sinagoga, conservadora e igualitária, mas não se sentiu confortável. No entanto, quando estava estudando para se tornar rabina, no Jewish Theological Seminar em Nova Iorque, seminário rabínico conservador, se viu na obrigação de abraçar a mitsvá. Enquanto o movimento reformista faculta a homens e mulheres a escolha de abraçar mitsvót, como a colocação de tefilin, o movimento conservador entende que homens e mulheres são igualmente obrigados ao cumprimento das mitsvót. Assim, desta vez com o auxílio de seus colegas de turma, ela enrolou os tefilin, fez as brachot, e se sentiu banhada por um calor e emoção. Ela sentiu aquele momento como a santificação de um corpo que foi construído como profano, impuro, não apropriado para servir a Deus.[i]


No momento em que ela contou esta história, todas as pessoas presentes sentiram os olhos marejarem. A emoção se espalhou pela sala e iluminou todas nós. Lendo a parashá desta semana, Ki Tissá, compreendi. A experiência vivida pela rabina Tuchman ao colocar seus tefilin foi semelhante à de Moshé: ela se encontrou com Deus, se sentiu protegida, e então, passou a emanar sua luz.


Judith Kaplan, Regina Jonas, Sally Priesand e Lauren Tuchman trouxeram, cada uma à sua maneira, um pouco de luz para ambientes de exclusão. Que possamos nós continuar proporcionando momentos de luz e encontro com o sagrado. Que possamos refletir acolhimento, proteção, igualdade e santidade.


Shabat Shalom.



[i] Levitico 21:17-18.

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