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Lech Lechá

Bereshit é um dos livros mais gostosos da Torá. Cheio de histórias, tramas, melhor que qualquer novela escrita. Difícil escolher um tema em cada parashá para falar!

Escolhi focar no trecho referente aos versículos 12:10-20. Neste trecho Abram está chegando ao Egito com Sarai e, reconhecendo a imensa beleza dela, teme pela própria vida e pede que ela diga que ele é seu irmão. Ela é abduzida ao palácio do Faraó, enquanto Abram adquire bens e riquezas. No entanto a sorte do Faraó muda porque este tomou Sarai como esposa que, na realidade, é casada com Abram. O Faraó então fala para Abram pegar Sarai e seus bens e partir.


Ou seja, porque a sua esposa era linda, Abram dá ela para ser parte do harém do Faraó e ainda ganha com isto. Tentando justificar o ato de Abram, os nossos sábios falam incansavelmente da beleza de Sarai. Rashi diz que a beleza dela era boa só para o faraó, e Rambam fala que os ministros sabiam que assim que o faraó a visse a desejaria, encontramos ainda em Tur HaAroch que a beleza dela era tanta que era somente apropriada para o faraó. Sarai, objeto de desejo, era perigosa para a vida de seu marido, e mereceu ser dada ao faraó, em hebraico o faraó fala literalmente: “peguei ela”.


Há um midrash que diz que Deus protegeu a virtude de Sarai, assim ela e Abram foram poupados. Há outro ainda mais absurdo que diz que um anjo batia na cabeça do Faraó a cada vez que este entrava no quarto de Sarai. Por mais absurdos que estes contos inventados por nossos sábios pareçam, eles demonstram que mesmo eles não se conformaram com este pedaço da narrativa.

Ellen Frankel, usa em seu livro “Os cinco livros de Miriam” duas frases muito fortes: “Sarah, amaldiçoada com tanta beleza” e “Beleza sempre foi uma benção contraditória para mulheres.”. Mas não precisa ser assim.


Estamos em um momento da história bastante peculiar, no qual nós, mulheres, nos sentimos à vontade para contar todos os episódios de abuso que sofremos ao longo de nossas vidas. Sim, todas nós temos ao menos um. Hoje há o movimento #MeToo, com o qual Sarai não pôde contar. Ficamos, por força de uma tradição patriarcal, sem a história na versão de Sarai (a vítima), só dos opressores (Abram e Faraó).


Nas palavras de Natalie Harder: “O que aconteceu depois na história de Abram e Sarai? Nós nunca vamos saber. O que acontecerá a seguir na história ainda em desenvolvimento sobre a epidemia de agressão sexual e assédio neste país [EUA]? Bem, isso é para todos nós. As circunstâncias de Sarai e o tempo em que ela viveu lhe garantiram poucos direitos, muito menos espaço para compartilhar sua história, mas chegamos a um momento no tempo em que parece que as comportas finalmente se abriram. Não podemos reescrever a história, mas podemos mudar a narrativa em torno de mulheres que falam sobre agressão sexual acreditando nelas, apoiando-as e deixando claro que o que elas suportaram não é e nunca será aceitável.”

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