Há vinte e cinco anos dei o maior salto de fé da minha vida. Eu fiquei noiva. Eu conhecia o Paulo, e ele tinha todas as características importantes que eu procurava em alguém para ser meu marido: era inteligente, honesto, confiável, pessoa de família, ambicioso e tinha valores morais muito fortes. Felizmente, eu o amava e ele me amava. Pegamos as mãos um do outro e embarcamos na maior aventura de nossas vidas: construir uma família juntos.
Na última seção da parashat Mishpatim, depois de estabelecer algumas regras adicionais após dar o “Asseret haDibrot” (conhecido como Dez Mandamentos), Deus chama Moisés, Aharon, Nadav, Abihu e setenta anciãos de Israel. Moisés repete os mandamentos, faz uma oferta especial, lê o “Sefer haBrit”, o registro da aliança, e o povo responde: “Na’ase v’nishma” Faremos e entenderemos.
“Na’ase v’nishma” – faremos e ouviremos – é muitas vezes considerada uma expressão de obediência incondicional, uma declaração nacional de subjugação total à vontade de Deus, aceitando a Torá na sua totalidade sem questionar. Também é considerada a base para a ideia de que o Judaísmo é uma religião de ação, e não uma religião de intenção. No entanto, como Judeus Progressistas, que acreditam na escolha informada das mitsvót, é difícil concordar com a ideia de fazer e obedecer a regras que ainda não foram estipuladas.
Porém, quando estabelecemos um compromisso em um relacionamento, é exatamente isso que estamos fazendo. Primeiro é preciso se comprometer a se envolver, para poder ter a experiência de estar nesse tipo de relacionamento com aquela pessoa, viver, entender essa pessoa e o que significa estar com ela em uma conexão mais profunda.
“Na’ase v’nishma” nos ensina que “A Torá não se trata apenas de seguir instruções. O recebimento da Torá no Sinai foi uma experiência de aliança, de conexão. Nesta história, a tradição nos ensina que às vezes temos que fazer algo para realmente entender. Que no relacionamento você deve se comprometer com a outra parte antes mesmo de saber tudo o que é possível saber sobre ela. Você assume o compromisso; você entra na aliança; você faz o que esse relacionamento exige. E com o tempo, você passa a compreender seu parceiro de maneira mais profunda. Você se torna capaz de “ouvir” coisas que não ouvia quando começou.” Conforme explicado pela Rabina Rachel Barenblat.
O Sefer haBrit é um acordo entre Deus e o povo de Israel dizendo que ambos acreditavam em uma jornada de vida juntos, para construir o Judaísmo e um mundo baseado em fortes valores morais estabelecidos no início da parashá. Deus e o povo judeu comprometem-se a fazer o que for necessário, a ouvir o outro e a compreender que a criação é um processo contínuo, inspirado pelo Divino e alimentado pela crença mútua. Não é um momento transacional, mas de estabelecimento de uma relação saudável, que exige fazer, ouvir e questionar.
Sim, questionar. Porque mudamos com o tempo. O homem de quem fiquei noiva não é o mesmo com quem estou casada agora, ele é a mesma pessoa, mudada pela experiência e pelo tempo. Eu não sou mais aquela advogada recém-formada, sou mãe, estudante de rabinato, uma pessoa completamente diferente.
Deus e Israel também mudaram ao longo do tempo. Nós, o povo de Israel, coletamos uma história de luta, de expulsão, de construção de vida e de novas formas de ser judeu, de viver judaicamente. Não somos mais escravos; somos um povo livre. Não estamos mais no deserto; nós temos a terra de Israel. E esse relacionamento também mudou, e continua mudando.
Se a ideologia sionista fundacional já não tem sentido, também não funciona a ideia posterior que aprendi durante meu tempo de Movimento Juvenil, quando Israel deveria ser o lar de todos os judeus, o lugar onde estávamos seguros. Aprendemos que amar Israel não significa aceitar cegamente tudo o que os governos israelenses fazem, mas também significa criticar e mobilizar-se pela democracia, mesmo que não vivamos em Israel. Infelizmente, aprendemos que nem sempre estamos seguros em Israel e que às vezes somos necessários para dar conforto e apoio aos nossos irmãos e irmãs que vivem lá. Mas para isso temos que estar em relacionamento, temos que estar conectados, fazer, para entender.
O compromisso vem antes do entendimento. Na verdade, o compromisso é necessário para a compreensão. Aceitá-lo é arriscar, sabendo que com o tempo tudo mudará. Estar em um relacionamento significa fazer: pular; mas sempre ouvindo e tentando entender quem é o outro que está do seu lado naquele momento. Fazer é o começo, mas ouvir e compreender é o que garante o futuro.
Minha avó sempre dizia que amor verdadeiro só existe se você conhecer os defeitos e imperfeições do outro, e ainda assim quiser construir uma vida com essa pessoa. “Na’ase v’nishma” não significa seguir cegamente as regras da Torá, mas comprometer-se a envolver-se, a aprender, a ouvir e a tentar compreender. Ser sionista não significa apenas dizer boas coisas sobre Israel, mas sim envolver-se e compreender a vida real das pessoas naquele país, na nossa terra santa.
Que nos seja concedida a coragem de dar as mãos uns aos outros e saltar para a desconhecida e grande aventura de construir um mundo melhor através da Torá, através de relacionamentos verdadeiros. “Na’ase v’nishma”.
Shabat Shalom.
Texto inspirador!
Lindíssima reflexão!