O livro de Devarim é a prédica final de Moshé, sua fala de despedida. Na parashá desta semana, chamada Devarim, Moshé começa suas palavras finais de instrução aos Bnei Israel, concentrando-se primeiro em relatar sua jornada física. Moshé analisa as reações do povo aos relatos negativos dos espiões e à nomeação de Josué para sucedê-lo. Ele ressalta que todos os guerreiros israelitas que deixaram o Egito morreram, como Deus havia decidido, e que o povo continuou sua peregrinação e derrotou seus inimigos. Moshé reitera que a Terra de Israel foi atribuída às tribos israelitas.
Diferente dos outros quatro livros da Torá, que são um relato em terceira pessoa, Devarim é um discurso em primeira pessoa. São as lembranças e impressões de Moshé sobre a jornada dele com os israelitas. Como toda história recontada, há discrepâncias entre o original e a repetição. Por exemplo, no caso dos espiões que foram ver a terra de Canaã, e voltaram relatando as belezas, mas também instigando o medo no povo, e assim Deus decide que a geração do Egito não entrará na Terra é descrita por Moshé. No entanto, ele culpa o povo e sua falta de fé por seu castigo de não entrar na Terra Prometida, ao invés de assumir sua culpa pelo acontecido logo após a morte de Miriam, em que Moshé bateu na pedra e neste momento foi castigado com a morte antes da entrada em Canaã. Nesta parashá também Moshé não menciona a ajuda de seu sogro Itró, na decisão de dividir tarefas de assistência ao povo, quando Moshé estava exausto com todas as tarefas que tinha que cumprir.
Talvez este Moshé que está falando para o povo seja um líder cansado, desapontado e preocupado. Cansado, como ele mesmo reconhece, do duro fardo de liderar este povo, que reclama e que se porta de maneira um tanto infantil, através da imensidão do deserto. Desapontado com suas próprias falhas, as quais não tem nem coragem de assumir e encarar, que culminaram na impossibilidade de chegar ao objetivo final. Preocupado com o que será deste povo, que ele ajudou a libertar e liderar durante os últimos 40 anos, uma vez que não mais terão um líder tão completo como ele.
“Se considerarmos o livro de Devarim como uma espécie de livro de memórias, devemos reconhecer que ele é diferente de qualquer outro livro de memórias no sentido de que a vida de Moshé é também a história do Êxodo do Egito, a formação da nação judaica e a entrega da Torá, conforme narrado nos livros bíblicos anteriores. Como tal, Devarim não é apenas a representação artística de Moshé de suas próprias experiências de vida; é também uma reescrita dos livros bíblicos anteriores da perspectiva de Moshe. É tanto parte da Torá quanto o mais antigo comentário sobre a Torá, no qual um indivíduo reflete e interpreta a Torá à luz de sua própria experiência.” Reflete a acadêmica Ilana Kurshan
Ao longo de todo o livro de Devarim, Moshé nos encoraja a conhecer, estudar, vivenciar e interpretar o texto bíblico de acordo com o nosso olhar. Devarim nos ensina a nos apropriar da nossa própria narrativa, contando e recontando, revisitando e reinterpretando. Que enquanto judeus, a nossa história particular deve ser parte de uma narrativa maior: a narrativa comunitária, a narrativa da história do tempo em que vivemos.
Shabat Shalom
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