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Foto do escritorAndrea Kulikovsky

Caminhos

Esta ainda não é uma prédica de despedida...

Eu estava ansiosa para chegar este shabat, e queria muito falar para vocês sobre como esta parashá me deu forças este ano, para deixar com vocês um pacotinho de força para momentos difíceis.


Vocês já perceberam que sou uma pessoa que questiona muito e busca razões para fazer ou não cada reza em minha prática pessoal. Eu tinha muita resistência com a oração Ma Tovu. Por que uma maldição que virou bênção proferida por um profeta não pertencente ao povo de Israel tem um papel tão relevante em nossos serviços? Então, por muito tempo excluí ela de minha tfilá.


Conta a parashá que Balak, rei dos Moabitas se juntou com os Midianitas e contratou Bilam, um feiticeiro, para amaldiçoar os israelitas, diante da certeza de que, em um enfrentamento bélico, perderia a batalha contra os Bnei Israel. Bilam, apesar da recusa inicial, decide ir atender o chamado de Balak, mas explica que somente poderá emitir as palavras que Deus colocar em sua boca. Deus ficou enraivecido da decisão de Bilam de ir a Moav, e coloca no caminho de Bilam um anjo para impedir sua passagem. O anjo somente podia ser visto pela jumenta de Bilam, que mudava o caminho a cada intervenção do anjo, e a cada desvio, Bilam batia na jumenta. Deus, então, deu à jumenta o poder de fala, e ela questiona: “O que eu fiz para você me bater?” ao invés de Bilam se surpreender com a jumenta falando, ele responde: “Você zombou de mim!” então Deus abre os olhos de Bilam, e ele enxerga que a jumenta o estava protegendo do anjo, que o mataria para interromper sua jornada. A história prossegue. Bilam chega a Balak, faz três tentativas de amaldiçoar o povo de Israel, e nas três tentativas acaba por proferir bênçãos. Uma destas bênçãos é Ma Tovu, que recitamos no início de nossas orações.


Enquanto assistente de rabinato aqui na ARI, várias vezes fui procurada com a questão: “por que isto está acontecendo comigo?”. É assim, desafios acontecem, e o que fazemos com o desafio, com as maldições e tempos ruins, é nossa decisão. Quantas vezes em nossas vidas nos encontramos como os bnei Israel, tranquilos, acampados, fazendo planos para as conquistas futuras, e então surge um Balak da vida encomendando nossa maldição.


Foi em um destes momentos que reintroduzi na minha tfilá diária o Ma Tovu, para me lembrar que maldições podem se transformar em bênçãos com o auxílio Divino. Não porque a reza em si traga a mudança, mas porque a oração é um gesto de conexão, solidariedade humana, amor. Assim, todo dia de manhã, eu agora me lembro que são meus bons atos que me protegem da maldição e me trazem a bênção, através do amor e da conexão que eles geram.


Em seu comentário sobre esta parashá, a rabina americana Sharon Brous fala que a facilidade de fechar os olhos para o que está em nossa frente, para o caos e dor que está à nossa volta é uma defesa humana, porque nos quebraria ver tudo. Nossa reação natural é nos desconectarmos do entorno para pouparmos nossas almas. Mas é importante fazer o esforço de não nos desconectarmos, porque os anjos estão lá, e a mensagem ainda está lá, pronta para ser entregue.


Bilam nos mostra como é fácil fechar os olhos para o que está à nossa frente. Ele, um profeta, não viu o anjo que a jumenta enxergava, porque ele focava no objetivo, e não no caminho. E o que importa nesta vida é o caminho, seja ele o caminho curto, conhecido, simples, ou o mais longo, mais desafiador, desconhecido. Precisamos abrir os olhos para os perigos, perceber nosso entorno e absorver a realidade. Mas é no caminho que estão os aprendizados, onde colhemos amizades e plantamos os frutos que colheremos lá na frente. No caminho há perigos, mas no caminho há muita diversão.


Conta um midrash que um carregador de água tinha dois baldes, um novinho e o outro rachado. O balde novo zombou do balde rachado dizendo: “você dá o dobro do trabalho para o nosso dono, deixando a água cair no caminho!” o balde rachado foi se desculpar com seu dono, muito chateado. No dia seguinte, no caminho, o carregador de água perguntou ao balde novo: o que você vê no seu caminho? O balde responde: “sujeira, poeira, o mesmo de sempre!” “e você?” pergunta o carregador ao balde rachado. E ele responde: “ah é lindo, tem todo tipo de flores silvestres e frutinhas crescendo na beira da estrada tudo é tão exuberante e verde”. O carregador de água explicou: “eu sei que você tem uma rachadura, a vida às vezes é difícil quando temos um problema, mas eu sabia que o lugar em que você estava rachado também poderia ser uma bênção, então plantei sementes ao longo do seu lado da estrada. Nós as regamos juntos todos os dias enquanto viajávamos para a cidade, e isto trouxe grande alegria para mim e para outros na cidade ao longo destes anos. Você pode estar um pouco quebrado, mas é exatamente isso que também pode fazer de você uma benção no mundo.”


A força para superar nossos momentos difíceis reside em focar na possibilidade de usarmos nossos desafios como fontes de bênçãos, com a ajuda dos anjos que são enviados em nossos caminhos. Para isto, é preciso observar atentamente o caminho, vivenciá-lo, plantar sementes e regá-las. Que saibamos fazer do caminho um lugar melhor, transformando nossas maldições em bênçãos, nossas rachaduras em flores.


Shabat Shalom.

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