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Bênção e maldição, e a vida no meio

“Antes de vocês poderem subir ao púlpito, é necessário que vocês queiram ser pessoas melhores. Para ser rabino ou rabina é preciso ser uma boa pessoa.” Talvez esta tenha sido a melhor lição de todas no curso de rabinato, durante uma aula em que estudávamos o filósofo alemão Gershon Scholem. Falávamos da relevância teológica da interpretação dos textos sagrados, de como é necessário entender que mais importante do que o como fazemos é o porquê fazemos. Que é preciso incentivar uma vida de cuidado com o outro, concentrados em quem somos, para melhorar o mundo.


Veja – Reê – que Eu coloco hoje diante de vocês bênção e maldição. Bênçãos se vocês cumprirem os mandamentos, e maldição se vocês não cumprirem os mandamentos. Assim começa a parashá desta semana.[i]


Sforno, comentarista bíblico Italiano, explica que devemos entender a passagem bíblica da seguinte maneira: “ראה, preste muita atenção para que você não seja como as nações do mundo que se relacionam com tudo pela metade, sempre tentando encontrar um meio-termo. Lembre-se de que Eu apresento a vocês neste dia a escolha de dois extremos, opostos. ברכה é um extremo, pois fornece a você mais do que você precisa, enquanto o קללה é outro extremo, garantindo que você tenha menos do que suas necessidades básicas. Você tem a escolha de ambos diante de você; tudo que você precisa fazer é uma escolha.”[ii]


A divisão entre bênçãos e maldições, prêmios e punições, extremos opostos sem nuances ao meio, é característico do último livro da Torá, Devarim. Mas seria extremamente inocente de nossa parte achar que a vida é assim, preto no branco. Cumpra a regra e terá bênçãos, faça o bem e terás o bem; descumpra a regra e terá maldições, faça o mal e terá o mal.


“Acredito que em sua essência o Judaísmo se esforça principalmente para atingir dois objetivos particulares: o desenvolvimento ético dos seres humanos e o estabelecimento de uma sociedade ética. Os preparativos dos israelitas para entrar na Terra (onde eles serão capazes de viver essas visões) para criar uma sociedade ideal são os temas centrais de Devarim. Quem você é, é definido pelo que você faz. Se você é o povo sagrado de Deus, você observa maneiras particulares de estar no mundo. Se você quer criar uma sociedade ética, você cuida dos necessitados” ensina a rabina Rachel Bet-Halachmi.[iii]


O próprio texto bíblico assume que nunca deixará de haver pessoas necessitadas, e que é necessário abrir a mão ao pobre e ao fragilizado ao nosso redor.[iv] Diversas vezes lemos que precisamos amar ao próximo, cuidar da viúva, do órfão e do estrangeiro, vestir os pobres.


Não é possível cumprir todos os mandamentos que lemos na Torá, não há como moralmente concordarmos com tudo o que está escrito. É preciso entender o que e por que fazer. Afinal, a afirmação de que sempre nos encontraremos diante da existência de pessoas em situação de risco indica que não é somente cumprir mandamentos, há muito mais nuances entre bênção e maldição. Todas estas nuances são as cores que compõem a vida. Ela é feita de alegrias, sofrimentos, e dias com poucos sentimentos; feira, supermercado, contas a pagar; casamentos, nascimentos, doenças, curas e partidas.


O rabino Gunter Plaut afirma que “Judeus liberais afirmam a independência do espírito humano e a liberdade da indagação intelectual. A indagação ilimitada traz certos riscos, mas eles valem a pena, pois a liberdade do conhecimento é, para os liberais, um requisito para uma existência humana totalmente livre.”


Fomos escravos em Mitsraim, hoje somos livres para estudar, pensar, escolher e agir. Mas temos uma responsabilidade individual e coletiva. Temos a responsabilidade de um povo que fez um pacto de ser melhor, um pouco melhor a cada dia, em busca de um ideal de comportamento. Todos os dias temos diante de nós incontáveis momentos em que somos apresentados com a possibilidade de tomarmos uma boa ou uma má decisão. Nossas decisões individuais refletem no bem e no mal que recebemos, mas também geram reações que refletem no coletivo, de maneira positiva ou negativa.


“Você sabe o que realmente importa” foi o recado que recebi de uma amiga querida em um destes momentos difíceis em que me questionava se minhas escolhas estavam corretas. Sabemos o nosso caminho, ele é brachá, em um sentido de reconhecermos todo o bom de nossas vidas e, ainda assim, continuarmos olhando para dentro, questionando os motivos, as maneiras e a qualidade do que fazemos, buscando sempre sermos o melhor de nós mesmos.


Sejamos Brachá.


Shabat Shalom.



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