Na parashá desta semana, Acharei Mot, Deus fala com Moshé após a morte dos dois filhos de Aharon, que foram mortos por se aproximarem demais da presença de Deus. Deus instrui Moshé e Aharon sobre os procedimentos para purificação do sacerdote, sua família e o Templo, além do Iom Kipur e a cerimônia do bode expiatório, ou o bode para Azazel. São retomadas nesta parashá algumas leis que cercam as proibições sexuais.
Um fio de pensamento me guiou no estudo da parashá desta semana, talvez pelas inúmeras vezes em que tenho ouvido as orientações de segurança de aviões. Lemos logo ao início das instruções para as purificações anuais em preparação para o Iom Kipur, que Aharon deve “oferecer seu próprio touro em oferta de purificação para fazer expiação por si mesmo e por sua família”[i] então “ele purificará o Santuário das impurezas e das transgressões dos Israelitas”[ii]. Ou seja, como no avião, em que somos instruídos a primeiro colocar o oxigênio em nós mesmos para então ajudar os outros, quando da purificação ritual, é preciso primeiro expiar os próprios pecados, os pecados daqueles sob o nosso teto, o lugar comum de ofício religioso, para então poder expiar os pecados do povo como um todo.
Também nesta parashá somos diversas vezes lembrados de que há uma forma certa de utilizar os instrumentos adequados, no momento preciso, para que o resultado seja aquele esperado. Talvez por isto a parashá comece nos lembrando da morte dos filhos de Aharon – acharei mot – quando fizeram uma cerimônia estranha, não solicitada, para Deus, que em Acharei Mot ressalta: “Diga a seu irmão Aharon que ele não deve entrar quando quiser no Santuário atrás da cortina”[iii]. Há um tempo, uma forma, uma ferramenta, para tudo o que fazemos.
Da mesma forma, o sangue nesta parashá é apresentado como fonte de purificação, fonte de vida, mas que pode carregar a culpa e levar à morte. “A vida da carne está no sangue, e Eu o designei a vocês para fazer a expiação por suas vidas sobre o altar”[iv] Aspergindo sangue no santuário e no bode para Azazel expia-se os pecados; somos proibidos de consumir sangue; trazemos a culpa de derramar sangue; somos proibidos de fazer sexo durante a menstruação.
O rabino estadunidense Max Edwards explica, apoiado em um texto de Maimônides que fala que quem consome sangue sua alma se torna entranhada com a do animal consumido. Nas palavras do rabino Edwards: “O sangue, a força vital de todos os seres, tem o poder de purificar e consagrar, mas também tem o poder de corromper, espalhar e excluir. (...) aquilo que consumimos tem o poder de nos consumir. Pode levar anos para encontrarmos a ferramenta certa e aprender a usá-la corretamente, ou nas palavras de Levítico, o sangue é para aspergir, não para consumir. Esta parashá nos lembra das ferramentas à nossa disposição e da responsabilidade que todos temos de tratá-las, e a nós mesmos, com cuidado e discernimento."
Acharei Mot ressalta a importância de se entregar por inteiro e com dedicação nos assuntos rituais, mas também, e por que não, naquilo que fazemos na vida. Para podermos ajudar aos outros precisamos primeiro estar prontos nós mesmos, precisamos saber o que fazer e como. Então, preparados e absorvidos por este objetivo, podemos executar a tarefa, seja ela a expiação pelos pecados do povo em Iom Kipur, seja atuar por uma causa importante ou, até, estar para uma família enlutada que precisa de acompanhamento.
Nas palavras da acadêmica Ilana Kurshan “Deus não precisa de nossos sacrifícios, como os profetas bíblicos insistem eloquentemente e repetidamente. Mas o mundo de Deus tem muito a ganhar com a intensa devoção que a adoração sacrificial implicava e, como tal, as ações do sumo sacerdote em nossa parashá são um paradigma para todos nós.”
É preciso estar pessoalmente preparadas e preparados para nos dedicar por inteiro, com as ferramentas adequadas, no momento preciso, com conhecimento, precisão e disciplina, assim como os antigos sacerdotes no momento do Iom Kipur.
Que possamos estar de corpo e alma.
Shabat Shalom
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