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Amar

De tudo ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.


Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento


E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama


Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.[i]



O amor nos une e, em um mundo cada vez mais ansioso, cada vez mais competitivo, precisamos mais dele. O amor do texto bíblico não é este amor romântico entre humanos. Via de regra, na Torá, amor é mandamento: Ame o outro como a si mesmo[ii] (וְאָֽהַבְתָּ֥ לְרֵעֲךָ֖ כָּמ֑וֹךָ); Você amará Adonai, seu Deus, com todo o seu coração, com toda a sua alma e com todas as suas forças[iii] (וְאָ֣הַבְתָּ֔ אֵ֖ת יְהוָ֣ה אֱלֹהֶ֑יךָ בְּכָל־לְבָבְךָ֥ וּבְכָל־נַפְשְׁךָ֖ וּבְכָל־מְאֹדֶֽךָ׃). O fato de ser um mandamento nos leva à conclusão de que amar é algo que exige esforço, dedicação, intenção. Se fosse simples, não precisaria ser um comando.


A vida ocidental nos leva a acreditar que o amor romântico é fácil, está na esquina, que todos temos uma “alma gêmea”, uma “tampa para a panela”. Eu devo confessar que adoro filmes românticos, bem bobos. Nada é melhor para limpar minha cabeça dos problemas do dia a dia. Sou capaz de devorar um livro em dois dias, se a história de amor for cativante. No entanto, a busca pelo amor ideal pregado em poesias, músicas, livros e filmes acaba levando muitas pessoas à solidão e depressão.


A primeira vez que a Torá fala de amor, está se referindo a Itzhak: “pegue seu filho, ... a quem você ama”[iv]. A passagem, conhecida como Akedat Itzhak, está ao final da parashá da semana passada, é narrativa acerca do quase sacrifício do filho amado. Na parashá desta semana, Itzhak, provavelmente ainda fragilizado pela experiência da Akedá, estava deprimido após a morte de sua mãe, que acontece ao início da leitura desta semana, Chaiei Sarah. Avraham entendeu que seu filho precisava de uma esposa, mas sabia que ele seria incapaz de fazer a escolha sozinho. Portanto, enviou um servo de confiança para seu lugar de origem, onde ainda vivia a família de Avraham, para lá encontrar uma esposa para Itzhak.


A história da busca e encontro de uma noiva para Itzhak, assunto da parashá desta semana, não apenas é o primeiro relato de um casamento arranjado, mas também, de certa forma, um relato romântico de como Deus uniu Itzhak e Rivka.


Em uma cena que começa como um filme romântico qualquer, Itzhak estava caminhando pelo campo ao entardecer, distraidamente, quando viu camelos se aproximando. Era o servo de Avraham voltando. Levantando os olhos, Rivka viu Itzhak e caiu do camelo. Ao se dar conta de que aquele era o homem com quem ela tinha concordado em se casar, ela rapidamente cobre seu rosto com um véu. “Itzhak então a levou para a tenda de sua mãe Sara, e ele tomou Rivka como sua esposa. Itzhak a amou, e então, encontrou conforto após a morte de sua mãe.”[v] Esta é a primeira, e uma das poucas vezes, em que o texto bíblico fala do amor romântico entre um homem e uma mulher. O filho amado, apesar de sofrido, agora ama aquela que será sua única esposa.


“O verdadeiro amor pode curar.” Escreveu Rachel Sabath Beth-Halachmi “Depois que Itzhak leva Rivka de volta para sua tenda, o texto nos diz que ele é - depois de um longo período de luto - finalmente consolado. Essas duas almas enfrentam seus próprios desafios juntas e separadamente, mas nunca abandonam seu senso da presença de Deus em suas vidas. Seu diálogo com Deus se aprofunda e seu amor aumenta.”


O casamento de Itzhak e Rivka, assim como suas vidas, não será fácil. Mas qual relacionamento da vida real é fácil? Precisamos de histórias de amor que não sejam apenas escapismo das produções hollywoodianas; precisamos de histórias do dia a dia que incluam todos e todas as nuances de amor. Porque são esses tipos de histórias que nos dão esperança e nos lembram o que é real e o que é possível. A Torá nos ensina que amar dá trabalho, exige dedicação, mas é imperativo, por isso é mandamento. Amar é ação, mas também é reação.


Hoje, peço que sejamos abençoadas e abençoados com a capacidade de encontrar e reconhecer o amor. Todo e qualquer tipo de amor; o amor que cura, o amor que arde, o amor que protege, o amor que acompanha.


Shabat Shalom.

[i] Soneto de Fidelidade – Vinícius de Moraes [ii] Vaicrá 19:18 [iii] Devarim 6:5 [iv] Bershit 22:2 [v] Bereshit 24:67

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1 comentário


meklerrio
01 de nov. de 2021

Andrea gostei muito da sua explicação sobre o amor.. Viver uma história de amor entre dois seres humanos é uma coisa muito gratificante mas dificil. Mas a gente sempre consegue se acertar se há amor de verdade sem interesses.. Vivi um casamento de 56 anos e se havia alguma discordância ou um mal entendido tinha que ser resolvido antes de irmos dormir pois caso contrário ninguem dormia. Este foi um verdadeiro amor.

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