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50 Anos e o Deserto

Na parashá desta semana, Bamidbar, estamos no décimo terceiro mês de jornada. Estamos no deserto, baMidbar em hebraico. Na imensidão, sem respostas, já não mais em nosso lugar de origem, e nos preparando para o que virá. Paramos para organizar o povo, e iniciamos fazendo um censo. O texto bíblico é dolorosamente óbvio: contamos os homens que servirão o exército, organizamos o acampamento por estes destacamentos de soldados, contamos os homens levitas que farão os serviços sagrados, contamos os homens primogênitos. Onde estão as mulheres? Não há mulheres no texto bíblico quando os israelitas se contabilizam. Obviamente havia mulheres: esposas, mães, irmãs, filhas; mas as mulheres não contavam!


Mas não estamos mais na imensidão do desconhecido onde as mulheres não contavam e não faziam parte da narrativa. Pelo contrário. Hoje é um dia de celebração no mundo judaico. Celebramos o dia em que nós, mulheres, passamos a fazer parte do mundo do sacerdócio. Há 50 anos, em 3 de junho de 1972, em Cincinati, nos Estados Unidos, era oficialmente ordenada a primeira rabina de nossa história. A pequena e forte Sally Priesand se formou e foi ordenada rabina, pelo Hebrew Union College depois de uma batalha para ser aceita para estudar e para que pudesse ser ordenada.


A rabina Sally Priesand conta que quando entrou na HUC todos pensavam que ela estava lá para se casar com um rabino. Assim, ela sentiu a responsabilidade de ir além de suas capacidades, se dedicar mais, ser melhor. Da mesma forma, quando foi ordenada e se tornou matéria de imprensa, tímida que é, percebeu que tinha uma outra responsabilidade não previamente calculada. Assim, todas as decisões que tomou para sua vida pessoal, foram tomando em conta sua carreira e a responsabilidade de ser a primeira rabina.


Depois da rabina Priesand em 1972, a rabina Sandy Eisenberg Sasso foi a primeira no movimento Reconstrucionista em 1974, a rabina Amy Eilberg, no movimento conservador, em 1985 e a rabina Sara Hurwitz na ortodoxia moderna em 2009. Hoje, estima-se que 1.500 mulheres foram ordenadas rabinas em todas as principais denominações judaicas, distribuídas por todo o mundo: Estados Unidos, Canadá, Europa, Israel, Oceania, África do Sul e América Latina. No Brasil há duas rabinas e uma assistente de rabinato trabalhando na bimá, dirigindo serviços. Cinco brasileiras já se formaram rabinas, a primeira delas foi a rabina Lia Bass, que era congregante daqui da ARI, e há mais algumas, como eu, no caminho de formação. Neste último mês de maio se formou a argentina Silvia Dorfman, minha colega de Instituto Ibero-americano de Formação Rabínica Reformista. Ela é a primeira rabina reformista a se formar na região, exatamente cinquenta anos depois da primeira rabina da história.


Como destaca a própria rabina Sally Priesand, “Quando eu estava na escola, não havia mulheres no corpo docente.” Hoje contamos com acadêmicas de altíssimo nível ministrando classes nas escolas rabínicas, chazaniot também são formadas nos seminários. Esta é a realidade com a qual a rabina Sally sonhou, e pela qual tanto lutou. Agora nós realmente já fazemos parte do censo!!


Não estamos mais no deserto. Nossos antepassados vagaram por 40 anos até chegar à terra prometida. Nós caminhamos 50 anos e ainda estamos nos organizando taticamente, como nossos antepassados, em torno da Torá, em torno do serviço religioso e do comprometimento por uma comunidade mais unida, que pode trafegar unida e conquistar a terra prometida. Desta vez, homens e mulheres marcham juntos.


Como parte da minha formação rabínica, fui para a Argentina para um estudo intensivo presencial. Junto com os recém formados rabinos e os outros colegas alunos do Instituto, pudemos estudar fontes do judaísmo, repensar condutas, estabelecer objetivos para o judaísmo Reformista Ibero-americano. Nos comprometemos com um futuro melhor para nossas comunidades, com a criação de novos mecanismos de relacionamento profissional e comunitário. Nossa determinação é de construirmos uma rede de rabinos que colaboram e trabalham juntos, estrategicamente. Estamos criando um acampamento em que homens e mulheres são contados e incluídos na batalha.


Minha jornada pessoal de formação rabínica começou há 5 anos, quando entrei no Instituto. De lá para cá muita coisa mudou em minha vida, em nossa região, e também aqui na ARI, que acreditou em mim, em minha formação e que conta com a única bimá realmente igualitária do Brasil.


Há 50 anos o mundo judaico se tornou mais diverso, mais rico. Saímos do vazio do deserto, o censo mudou. Na classe de rabinos ordenados pela HUC em 3 de junho de 1972 foram contados 35 homens e 1 mulher: Sally Priesand foi ordenada rabina. Hoje nossas meninas podem sonhar em um dia também se tornarem rabinas.


E que assim seja!

Shabat Shalom.





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